Ciclos

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ALERTA GATILHO: Violência contra mulher. Abuso físico e psicológico. 


Bryan Cooper: Tempos atrás.

Ainda consigo ouvi-lo. Apesar da voz doce dela, cantarolando tão perto do meu ouvido. Mesmo que uma de suas mãos proteja minha outra orelha do som, e eu esteja aninhado em seu colo, mesmo minhas pernas já estando compridas o bastante para tocarem o chão, ainda posso escutá-lo. Não só seus gritos de injustiça, mas os estilhaços. Os vidros sendo quebrados como se fossem feitos de açúcar, voando pelo chão exatamente igual aos filmes. Mas não somos um filme, ou sequer isso é um enredo dramático. Somos só nós, um dia antes de eu completar doze anos. E tudo o que podemos fazer é repetir as cantigas antigas, de quando eu ainda era novo demais para odiá-lo tanto quanto o odeio agora. E ela não parece se importar em conter mais as lágrimas, que molham minha camiseta a medida que sou balançado.

Quero impedí-la de me tratar como um bebê; porque não sou mais um. Mas sei que isso a fará se sentir melhor, por isso fico quieto. Fingindo que meu pai não está quebrando todos os móveis da sala por mais uma de suas crises de ciúmes. Nós vamos sobreviver a tudo isso. Nós vamos ficar bem. Não se preocupe com a mamãe. Quantas vezes ainda vou ter que escutar essas frases? Quantas vezes ainda vou fechar os ouvidos para nós? Agora, não é como se eu pudesse fazer alguma coisa. Por isso resistí-la é impossível, quando meu pai engrossa a voz para chamá-la. Um milímetro da porta aberta é o bastante para o cheiro da bebida invadir tudo, nos intoxicando. No mundo que minha mãe tentou me fazer impenetrável. Mas não sou.

– Por favor, não vá – Peço. Ela evita meus olhos, porque não gosta de me ver chorar. E eu nunca pensei que as lágrimas poderiam arder tanto; mas elas ardem. Queimam meu rosto a medida que descem e eu nem posso contê-las enquanto a seguro pelo casaco de lã. – Por favor mamãe, fique aqui. Não vá até lá – Imploro. Isso nunca foi o suficiente, e eu já espero quando seus braços se desvencilham dos meus, ficando em pé. No chão, sem sua proteção e os barulhos ficando cada vez mais intensos, não sou mais do que uma criança. E o bolo que está na geladeira, não é mais do que um aviso de que eu vou ser maior do que isso. E eu nunca mais vou deixá-lo tocar nela.

– Fique aqui dentro. Não saia de jeito nenhum – Sussurra, limpando os próprios olhos. Ela agacha em minha frente, me segurando nos ombros. – Não o odeie. Nunca o odeie. – É a última coisa que me diz, se erguendo de uma vez por todas. A assistindo andar, como já assisti tantas vezes para o meio do caos. Só para me manter protegido aqui dentro, livre do homem que deveria nos cuidar. E eu fecho os olhos, lembrando do que me explicaram sobre déjà'vus. É um fenômeno estranho, que acontece dentro de você. Onde se tem certeza que já viveu aquela mesma cena, daquela mesma maneira. Com os mesmos gostos, cheiros e sentidos. E talvez seja só isto, só a primeira vez com a sensação de dezenas. Enquanto a escuto pegá-la por um dos braços e jogá-la em meio aos vidros, como se fosse uma porcelana que não gosta mais. E seu silêncio é o mais alto, muito mais ruidoso do que as pragas que meu pai lança aos berros, muito mais profundo do que os cortes que ela deve agora ter, muito mais desesperado do que meu coração ainda pode se sentir.

Posso me tornar o que for, posso fechar meus olhos agora. Mas é muito mais do que meu aniversário que me é roubado. Vai muito além da maturidade que o Sr. Cooper me força a ter. É sobre um dia eu me levantar daqui, e nunca mais deixá-lo tratá-la como um dos nossos vasos. Não quando ela se faz de aço para me proteger.


Bryan Cooper: Agora.

– Sim? – Minha voz sai estranha. Exatamente como meu rosto deve estar, enquanto aperto os dedos na porta. O céu já está escuro atrás de Matthew Boyer, estrelado o suficiente para nos garantir uma manhã ensolarada no dia seguinte. Quero me deter nesses fatos, em como o senhor Monaco esqueceu de cortar a grama, ou sobre os enfeites de jardim do vizinho da frente. Mas já não consigo conter a velocidade que meu corpo esquenta, que meus braços insistem em tremer e a força que uso ao tencionar o maxilar para conter minha raiva. – Perdeu alguma coisa?

Como Não Se Apaixonar Por Um QuarterbackOnde histórias criam vida. Descubra agora