a culpa da ocultista

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-- O que você tá fazendo aqui, pirralha?

Liz abriu os olhos com dificuldade. Seu corpo doía de ficar deitado no mármore do túmulo da mãe.

Ela caíra no sono em algum momento. Se lembrava de ter se ajoelhado na frente da estátua de anjo e chorado diante da Sombra da mãe. Se lembrava de ter ouvido Elizabeth falar e pedir perdão.

Não havia pelo que culpa-la. Elizabeth não escolhera morrer. Mas isso não mudava o fato de que Liz estava sozinha.

Ou pensava estar.

Alguém tinha acordado a menina, cutucando suas costelas com o pé.

-- Ei, pirralha, não ouviu? Sai se cima da merda desse túmulo.

Seus olhos finalmente entraram em foco, e viram uma adolescente cheia de tatuagens num braço e cicatrizes no outro e um cabelo curto e meio arrepiado jogado pra um lado.

Ela tinha um undercut, e usava delineado, calça jeans preta e rasgada e um tênis riscado de caneta.

Liz sabia quem ela era. A mãe tinha falado dela. Tinha falado bastante.

A menina se sentou ao lado da lápide e esfregou o rosto, erguendo o olhar para a jovem mal humorada.

-- Que merda você tá fazendo aqui? -- A adolescente quase cuspia as palavras, como se estivesse meio ofendida por alguém dormir em cima do túmulo de Elizabeth. O que era estranho. Até onde sabia, sua mãe nem gostava dessa garota. -- Tá parecendo que aqui é hotel, é?

-- Eu sei quem você é. -- A voz de Liz saiu meio embolada, mas confiante. -- Você é a Agatha.

A adolescente congelou, e piscou lentamente, uma, duas, três vezes.

-- Como..? Liz? -- Agatha franziu a testa, falando baixinho, para si mesma, parecendo surpresa e assustada. -- Você é igualzinha à Liz. Não... você não tem a pinta do lado da boca. A sua fica do ladinho do olho... Quem é você? Como sabe quem eu sou?

Ela parecia perdida e confusa.

-- Minha mãe vivia falando de você. -- apesar do olhar confuso da adolescente, Liz continuou falando com um sorriso meio debochado. -- Ela dizia que você era uma filha da puta.

-- Ela...?

-- Minha mãe. -- Liz disse, como se aquilo esclarecesse tudo. Então, apontou a lápide. -- Elizabeth Webber.

-- A sua... mãe?

Agatha parecia completamente perdida.

-- Ela não gostava de você. -- Quase sorriu, vendo pelo canto do olho a Sombra translúcida da mãe franzir a testa para Agatha.

-- Não... Não gostava... -- Disse a jovem, com a voz dolorida. -- Eu... Eu nunca tive a chance de pedir desculpa pra ela.

Agatha se ajoelhou diante da menina, e enterrou o rosto nas mãos.

-- Você... você é real? -- Ela não ousou erguer o olhar pra Liz, como se tivesse medo. Sua voz tremia, e uma pequena gota d'água molhou a terra ao lado do túmulo.

A pequena Elizabeth se levantou e segurou as mãos da adolescente, puxando-a para cima delicadamente, obrigando Agatha a erguer o rosto.

-- Não adianta chorar. Você sabe disso. -- Puxou Agatha gentilmente para sentar ao seu lado, na sombra do grande anjo de pedra.

"Me poupe", sussurrou a Sombra da mãe, e se dissipou.

Liz ignorou aquele comportamento.

-- Eu quero que você me conte.

Agatha secou uma lágrima do canto do olho, borrando o delineado que já criava trilhas de tinta e lágrimas descendo por suas bochechas. Seu olhar era meio atônito.

-- Contar?

-- É. Eu quero que você me conte como a minha mãe morreu.

-- Eu... Eu não tava junto... Merda, eu nem sabia que você existia... -- Secou os olhos novamente, dessa vez com a palma da mão. -- Foi... foi numa missão. Eu não sei muito mais que isso. Uma semana atrás.

-- Então... -- Liz olhou para a estátua, e então para o túmulo do pai. As Sombras de Thiago e Elizabeth estavam juntas, uma apoiada na outra, como se se abraçassem. "Vá em frente", seu pai parecia dizer, "peça". -- Quero que você me conte sobre quando a mamãe te conheceu. Eu quero saber o seu lado da história.

Agatha riu de um jeito meio amargurado e passou as mãos no cabelo. Então, encarou aquela menininha sentada de pernas cruzadas no túmulo de Elizabeth.

Deus, elas eram iguaizinhas. O mesmo cabelo preto, a mesma franjinha, o mesmo olhar duro. Mas essa Elizabeth, ali na sua frente, tinha uma pinta no lado do olho, não na boca. Essa Elizabeth tinha o sorriso confiante e encantador daquele jornalista metido a besta.

-- Ai garota... -- abriu um sorriso triste, e demorou para começar a falar. -- Eu tinha medo. Muito medo.

O vento pareceu esfriar, levantando pequenas folhas. O sol se punha lentamente.

-- Eu lembro o dia em que eu vi a Liz pela primeira vez... A sua mãe... Eu odiei ela no mesmo segundo. E isso foi antes de ela me bater. -- Nesse ponto, Liz riu, e se deixou deitar sobre o mármore do túmulo. -- Quando eu conheci a Elizabeth... Eu vi muito de mim nela.

Os Que Ficam Pra TrásOnde histórias criam vida. Descubra agora