o anjo de pedra

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Liz completava com cuidado o caça-palavras do livro de escola, fazendo o melhor que podia para deixar as linhas retas, apesar do movimento do ônibus.

Ninguém se sentava ao seu lado, o que ela achava mais do que bom. Secretamente, estava aliviada pelo motorista não ter perguntado onde a mãe dela estava quando subiu completamente sozinha no ônibus. Teria sido horrível responder essa pergunta.

Olhou pelo canto do olho para a senhora de pé no corredor, do ladinho dela. Não sabia direito por que a mulher simplesmente não se sentava, mas imaginava que tinha alguma coisa a ver consigo mesma.

A mãe costumava afastar um pouco as pessoas com seu rosto antissocial e pouco interessado, e Liz, aparentemente, tinha puxado a mesma expressão neutra que mais parecia desdenhosa.

Melhor pra ela.

Quando o ônibus parou no centro da cidade, Liz colocou o material na mochila e desceu.

Andando sozinha pelo terminal de ônibus, esperou pacientemente até encontrar aquele que procurava. Entrou mais uma vez, colocando dinheiro na mão do cobrador sem esperar resposta e se enfiando no fundo do ônibus.

Puxou a tarefa de casa da mochila mais uma vez, desejando sinceramente que a professora parasse de mandar folhas de separação de sílabas. Ela já sabia fazer isso até de olho fechado.

Quando terminou, fechou o caderno e se apoiou na janela, observando os fios passarem naquela dança bonita que eles tinham. Era tedioso ficar em ônibus, mas pelo menos tinha um objetivo claro.

Então, viu seu ponto, e ficou de pé no banco para puxar a cordinha e fazer o motorista parar.

Desceu meio correndo, e ajeitou a blusa quando parou diante do grande arco do portão.

O cemitério. O túmulo de seu pai. Se algum lugar ia ajudá-la a pensar, seria ali. Elizabeth sempre vinha para pedir conselhos. Por essa lógica, Liz também podia, não é?

Foi andando entre os túmulos, passando os dedos pelas lápides. Achava o cemitério estranhamente bonito, embora soubesse que também era o lugar propício para algo muito muito ruim acontecer.

Não que ela tivesse medo. O pior que encontraria ali era algum adolescente fumando. Afinal, era dia ainda.

Começou a subir a trilha que dava para o fundo do cemitério, onde seu pai estava enterrado. Ou melhor, onde ele não estava enterrado.

Não havia um corpo para enterrar. O túmulo era só um marco, um tipo de lembrança. O corpo de seu pai tinha sido explodido numa vilazinha maldita e paranormal chamada Santo Berço.

Mas o importante era que o espírito do pai estava ali. A mãe via o pai o tempo todo, e conversava com ele. Era claro que achava que era maluca. Liz nunca contara para a mãe que, quando estavam ali, no cemitério, ela via Thiago também.

Viu o túmulo do pai, e um túmulo novo e maior perto do dele. Viu o pai sentado sobre o próprio túmulo, transparente, meio tremeluzindo, e o viu sorrir para ela.

Mas a curiosidade venceu a menina, que deixou a mochila do lado da lápide do pai, sorrindo para o que ela chamava de Sombra, um eco da vida de Thiago, e andou até o túmulo novo.

Um anjo estava sobre a inscrição do nome. Uma enorme estátua, parecendo ao mesmo tempo triste e fria.

Os olhos da garotinha desceram para as marcações escritas, e foi quando ela caiu de joelhos.

No túmulo, bem diante de si, estavam escritas as palavras que ela esperava, mas que não queria ver de jeito nenhum.

Elizabeth Webber

Quando a menina ergueu o rosto, viu a Sombra da mãe sentada sob a figura do anjo, parecendo velha, cansada, e imensamente triste. Mesmo assim, Elizabeth conseguiu sorrir para a filha.

-- Oi meu amor... -- sua voz era muito baixa, como se estivesse a um milhão de quilômetros de distância. -- Me perdoa...

Os Que Ficam Pra TrásOnde histórias criam vida. Descubra agora