a árvore do pátio

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O dia inteiro fora estranho. Depois daquele nascer do sol avermelhado, o céu se enchera de nuvens, e ficara permanentemente nublado.

Nublado, frio, e estranhamente agitado. O mundo em si parecia ter ficado mais silencioso. Era de se esperar que, numa sexta feira, São Paulo estaria mais movimentada. Mas não se ouvia um único som vindo de fora da sala, além do piar estranho de um pássaro que Liz não reconhecia.

Até mesmo seus colegas pareciam mais silenciosos.

Deus, até o ar estava estranho. Apesar disso, ela não conseguia dizer exatamente o que.

-- Liz? -- Juli olhou para a amiga com cara de preocupada. -- Liz?

Mas Liz nem mesmo ouvira a garota chamar. Estava perdida em pensamentos, tentando ver o pássaro que acabara de cantar.

-- Elizabeth! -- A amiga estalou os dedos na frente do rosto da garota, que finalmente ergueu os olhos para fitar os olhos escuros e estreitos que a encaravam. -- Sério, Fritz, presta atenção! Já é hora do lanche! Eu perdi quase cinco minutos de recreio te chamando, garota!

Juli se encostou na mesa ao lado de Liz, para esperar a garota pegar o dinheiro que trazia na mochila, e, quando finalmente a acompanhou até a porta, arrastou os dedos pelo cabelo, empurrando-o pra trás, e murmurou algo como "fala sério".

Liz se sentia com sorte por ter Juli. Ela lembrava muito a garota do irmão, Joui.

Assim como ele, Juli era asiática, embora tivesse nascido no Brasil, e tivesse os pais chineses, não japoneses.

Outra pequena diferença era que Juli era bem baixinha. De longe menor que Liz. Apesar disso, tinha uma postura confiante, e um sorriso sarcástico que fazia com que ela parecesse mais com César do que com qualquer outro irmão.

Liz entregou o dinheiro no balcão da cantina do colégio e pediu dois brigadeiros e um toddynho, antes de ir se sentar com Juli entre os galhos da árvore que ficava no meio do pátio.

Mas a árvore já estava ocupada quando as duas se acomodaram em seus galhos favoritos.

-- Oi, meninas. -- Theo sorriu para elas, se apoiando em Christian para acenar para as amigas sentadas alguns galhos abaixo.

-- Ei, Theo! -- Juli sorriu, e então se virou no galho para olhar para os meninos mais confortavelmente. -- cara, a Liz tá muito estranha.

-- Verdade, tu tá com uma carinha tão pra baixo, Liz. -- Disse Alan se sentando ao lado da amiga e tirando o pão de batata da boca.

-- Ah, não é nada... Eu só tô com uma sensação estranha hoje. -- Disse a menina, enfiando a mão no bolso do casaco do colégio. -- Desde que eu vi o nascer do sol. Tava tão vermelho... parecia até sangue.

-- Bom, -- Disse Chris, com o celular quase colado na cara. Aquele menino precisava ir fazer um exame de vista e logo, mas a teimosia do amigo era grande demais. -- Aqui diz que pores do sol vermelhos assim "eram considerados presságios de desgraça, geralmente morte ou evento trágico". Nossa, isso não foi nada otimista.

-- Eu não sabia que você era supersticiosa, Liz. -- Disse Theo, dando uma risadinha antes de arrancar um galho seco e esmigalhar a última folha presa a ele completamente.

-- É... -- Liz encarou o céu, aquele tapete infinito de nuvens, e o vento bagunçou a sua franja, tirando o cabelo de cima dos olhos que encaravam o mar cinza acima do pequeno grupo de amigos. -- Eu não sou. Normalmente não.

Superstição é acreditar no que não existe. E ela tinha a impressão de que qualquer coisa que causasse essa expressão estranha era, na verdade muito real.

Tentou ouvir as vozes das Sombras sob o vento, mas mesmo elas pareciam não dizer nada.

Mas estavam agitadas, de um jeito que ela nunca vira antes.

E ela tinha a impressão de que Sombras agitadas eram um presságio ainda pior do que um céu de sangue.

Os Que Ficam Pra TrásOnde histórias criam vida. Descubra agora