-- E prontinho. -- Agatha ajudou a menina a terminar de pintar o enorme círculo na parede, em volta das estranhas runas e padrões.
As duas estavam cobertas de tinta, assim como uma grande parte do quarto. Só a cama tinha se salvado, já que fora afastada da parede para dar espaço as duas jovens pintoras.
Liz sorriu para seu trabalho.
"Isso é um símbolo de proteção", explicara Agatha quando mostrou o desenho pela primeira vez para a pequena Elizabeth, "os ocultistas criaram. Nós... eles. Eles usam pra evitar perder o controle das criaturas que invocam".
Uma criatura não convidada não podia entrar em um quarto que tivesse um símbolo assim. Ou não poderia sair, se nascesse ali dentro.
Agatha repetira essas palavras muitas vezes enquanto pintavam. Proteção. Era bom. Liz tinha a impressão de que Agatha estava tentando convencer a si mesma de que estava fazendo algo genuinamente bom. Assim como sua mãe, Agatha achava que era uma pessoa ruim, e que tudo o que fazia era ruim e cruel.
Liz discordava. Agatha tinha tirado ela do mármore frio do túmulo da mãe e a levado para o mais próximo de um lar que ela tivera nos últimos dois meses. Dera comida e toddyinho. A abraçara e pedira desculpas um milhão de vezes.
E estava fazendo um símbolo exoterrorista de proteção contra criaturas paranormais para afastar os pesadelos que Liz tinha, em que ouvia vozes e via Sombras.
Agatha era uma das melhores pessoas que Liz conhecia.
-- Preparada, mini Liz? -- A jovem olhou para ela e esperou um aceno de confirmação antes de levanta-la nos ombros.
Cuidadosamente, Liz mergulhou o dedo na lata de tinta preta e escreveu em letras gordinhas, acompanhando a curva do círculo.
Elizabeth Webber e Thiago Fritz
Agatha a pôs no chão com cuidado e afastou o cabelo da cara deixando um enorme borrão escuro na própria bochecha. Liz se perguntava se estava tão manchada assim. Achava que sim.
Agatha encostou na pontinha do nariz dela.
-- Vamos fazer assim, projeto de gente, você vai pro banho e eu me livro dessas merdas aqui. -- Disse a garota, empurrando Liz com delicadeza até a porta do quarto. -- Vai lá, vai.
Liz foi.
O banheiro de Agatha não era muito grande. A luz era meio fraca, e o chuveiro parecia bambo. E o espelho estava quebrado. Mas, mesmo assim, Liz adorava. Por que aquela era a casa da Agatha. E a Agatha era legal.
As toalhas tinham um cheirinho gostoso, mesmo que o banheiro cheirasse a metal. A água era quentinha. E os azulejos da parede tinham desenhos de flores.
Ela ficou traçando uma florzinha com o dedo enquanto a água escorria por suas costas, lavando a tinta.
O banheiro de sua casa não tinha florzinhas nos azulejos. Mas tinha no papel de parede do quarto da mãe. Por isso gostava das flores do banheiro. Lembravam as flores de casa.
A água escaldava sua pele, na temperatura perfeita para derreter ouro, também conhecida como temperatura inferno ou a temperatura favorita de Liz.
Água tão quente que beirava o limiar da dor. E assim que acabava de se lavar, virava a torneira, lançando em si mesma um balde de água congelando antes de fechar o chuveiro.
Sua mãe dizia que aquele choque térmico ia acabar deixando ela e o pai doentes, e que ela não ia cuidar de ninguém que pegasse pneumonia por ser idiota.
Thiago costumava sorrir, e virar a torneira no gelado mais uma vez, segurando a garotinha nos braços, próxima ao peito.
-- Liz! Ei, mini Liz! -- Agatha batia na porta do banheiro. -- Vamo logo com isso!
A menina desligou o chuveiro e saiu, ficando na ponta dos pés para puxar a toalha de cima do box. Se enrolou e saiu, deixando para trás pegadas molhadas.
Ainda enrolada na toalha, se jogou na cama, que estava bem no meio do quarto, sem encostar em parede nenhuma. Ficaria assim até a tinta do símbolo secar.
O chuveiro ligou mais uma vez, e a menina conseguiu ouvir Agatha murmurando alguma música bem baixinho.
Liz encarou o teto e sorriu. Ela podia viver com aquilo.
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Os Que Ficam Pra Trás
FanfictionLiz sente falta do pai, sente falta da mãe, e, talvez mais do que isso, sente falta do que nunca teve: uma infância normal. Apesar disso, ama a própria vida: mistérios, aventuras, tudo o que uma criança pode querer. Mas, depois de um acidente que de...