-- Parem de me olhar assim! -- Liz se levantou da mesa, apoiando as mãos ao lado do prato quase terminado. -- Eu sei que vocês querem conversar tá bom? Sei que vocês querem perguntar pro Joui como foi a porra da missão dele!
-- Liz! -- Joui parecia chocado com a linguagem da menina.
-- Não vem com "Liz" pra cima de mim! Eu tenho dezesseis anos, dezesseis. Eu não sou mais criança! Parem de ficar me olhando como se não soubessem se podem falar nem sobre a merda de um zumbi de sangue na minha frente! Não é como se eu não soubesse que essas bostas existissem! Se lembram? EU SOU FILHA DA ELIZABETH.
A menina empurrou a cadeira, irritada, e saiu pra varanda, batendo a porta de vidro.
-- Merda de irmãos super protetores... -- Ela xingou baixinho, se apoiando na amurada de ferro.
Jeniffer veio pra perto da menina e deixou que ela fizesse carinho em sua cabeça.
-- Sabe Jeni... Eu queria que eles me levassem mais a sério. Caralho, eu sei que eu sou novinha mas eu não sou mais a porra de uma criança... E mesmo se eu fosse... A mamãe sempre me falava dos casos dela... Eles agem como se fosse um assunto proibido.
Ela ficou brincando com as orelhinhas da gata enquanto esticava a outra mão e pegava um pirulito de um potinho que ficava em cima da bancada da varanda.
Abriu o pacote com a boca e deixou o plástico cair no chão. Ela ajuntaria mais tarde. Enfiou o doce na boca e respirou fundo quando sentiu o gostinho de morango contra a língua.
A gata se esfregou em sua mão, pedindo mais carinho, e a menina prontamente atendeu, enquanto olhava para os carros passando lá embaixo, na rua.
Há alguns bairros de distância, ficava seu antigo apartamento. Um pouco mais perto, ficava o apê em que morara com a mãe, antes de tudo acontecer.
Não que não amasse os irmãos, mas eles a sufocavam. Eram protetores, e as vezes agiam como se a menina fosse de vidro.
Joui principalmente.
Ele quase enlouquecera quando descobriu que Ivete e Arthur estavam ensinando a garota a atirar. E quisera matar César quando descobriu que ele sabia e não tinha contado pra ele.
Sério, ela amava o garoto, mas ela não era de porcelana. Ela queria lutar, queria investigar, queria ir com eles nas missões e ajudar. Queria dar orgulho pra mãe e pro pai, mesmo que eles não estivessem mais vivos para ver.
Mas ela nem sequer podia entrar na base da ordem... não depois do... acidente.
A menina respirou fundo, e se sentou no chão, encostada na parede. Segurou Jeniffer no colo, suspirando. Então, ergueu as mãos para o aparelho auditivo e o desligou.
Imediatamente, os sussurros a cercaram, se tornando mais altos, mais confusos. Ela apenas deixou que viessem. Não tentou se concentrar em nenhum deles, deixou que a cercassem.
Focou no doce do pirulito de morango, no pelo macio da velha gata em seu colo. Deixou que as vozes a rodeassem. E, lentamente, elas começaram a se separar, a se revezar, e ficou mais fácil entendê-las.
Ainda assim, a maioria não fazia o menor sentido. Gritos, nomes, frases completamente desconexas.
Mas entre elas, duas vozes.
"LIZ!", uma delas gritava. A menina murmurou bem baixinho.
-- Aqui... Eu te ouço...
"Estamos aqui, Liz", as vezes soavam mais baixas, mas perto, muito perto. "Estamos com você".
"Temos tanto orgulho". Uma voz feminina, uma masculina. "Nossa menina".
Era doloroso ouvir as vozes, que pareciam fazer muito esforço para serem ouvidas.
Nossa menina.
-- Oi, mãe... -- Ela murmurou. -- Oi, pai...
"Estamos aqui, meu amor", as vozes sussurram, "nós te amamos tanto, Liz"
A menina semicerrou os olhos, borrando sua visão, e sorriu. Duas Sombras estavam ajoelhados perto dela.
Desapareciam se olhasse diretamente, mas assim, quase sem enxergar, não era difícil dicerni-las.
Elizabeth e Thiago. Mãe e pai.
Deixou que as Sombras a abraçassem, e sorriu quando sentiu o toque leve e quase impercetível.
Ali. Ali estava sua família.
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Os Que Ficam Pra Trás
FanficLiz sente falta do pai, sente falta da mãe, e, talvez mais do que isso, sente falta do que nunca teve: uma infância normal. Apesar disso, ama a própria vida: mistérios, aventuras, tudo o que uma criança pode querer. Mas, depois de um acidente que de...