Liz odiava quando os irmãos brigavam. E eles viviam brigando.
Joui e Agatha não podiam ficar no mesmo quarto sozinhos, ou possivelmente se matariam.
-- Ela passou as últimas férias com você, japinha! Tira a mão!
-- Tira a mão, Agatha? Eu não confio em você pra cuidar dessa criança nem morto, e agora você quer que eu deixe ela passar duas semanas com você fora de São Paulo?
Liz tinha ficado animada com essa viagem. Ela e Agatha vinham planejando aquela viagem havia muito, muito tempo.
Ela estava ansiosa desde que a adolescente falará sobre um acampamento e prometera que as duas poderiam caçar alguma criatura paranormal que estivesse pela floresta juntas.
Joui, aparentemente, não gostava da ideia.
-- Porra, Joui! Me deixa! -- Agatha soava furiosa. -- Eu cuido dela! A irmã é minha.
Liz saiu do quarto e andou até a sala, já cansada dos gritos. Faria aquilo parar.
-- Ela não é sua irmã.
Não conseguiu passar da porta antes que Agatha desabasse.
A ex-ocultista parou, e deixou os bravos penderem inertes ao lado do corpo. Sua expressão era um misto de dor e desespero.
"Eu sei", Agatha pensava. "Eu sei que ela não é minha irmã. Mas eu amo ela. Eu cuido dela. Não olha assim pra mim... por favor."
Mas Joui ainda olhava para Agatha com raiva e nojo. Ele não confiava na garota que cuidava da filha da senhorita Liz, sua irmãzinha.
Liz não conseguiu não sentir raiva. Amava o irmão, sim, mas amava a irmã também. E Agatha cuidava dela.
Agatha nunca saía para missões, então estava sempre ali pra ela. Era sempre Agatha quem a levava pra escola, colocava ela na cama, cuidava dela quando ficava doente.
Olhando para a adolescente, só conseguia ver a trança que tinha feito algumas horas antes. As unhas borradas que Agatha deixara ela pintar. A blusa que combinava com a dela.
Olhando pra ela, só conseguia ver sua irmã mais velha.
Mas olhando os olhos de Joui, podia adivinhar o que ele pensava daquela garota.
Ele não via o cabelo trancado, as unhas, uma de cada cor de esmalte disponível, ou a blusa.
Ela via o braço tatuado com símbolos ocultistas, a pele coberta de cicatrizes criadas por rituais. Olhava para ela e via pouco mais do que uma assassina. Uma adolescente descontrolada. Um monstro.
E não precisava olhar para o rosto de Agatha para saber que ela concordava com cada coisa que ele pensava dela.
A menina queria muito, muito mesmo, poder gritar que os dois estavam errados.
Mas, em vez disso, simplesmente se aproximou e segurou a mão de Joui com cuidado.
-- Mano... -- Esperou-o se abaixar para falar com ela.
-- Fala, minha princesinha. -- Em seu sorriso não havia nem traço da raiva que mostrara segundos antes.
-- Eu quero muito ir no acampamento que a Agatha prometeu... -- Esperava que seus expressão pidona convencesse o homem.
-- Princesinha, olha, é perigoso, e... -- seu olhar se desviou para Agatha, que tinha desviado os olhos, parecendo culpada e se sentindo possivelmente a pior pessoa do mundo por ter feito Liz ouvir a briga.
Foi quando a menina abriu um enorme sorriso, e Joui quase deixou escorrer uma lágrima ao ver naquele rosto de criança o sorriso de seu velho sensei.
Bastou isso para que Liz soubesse que tinha ganhado o jogo. O que quer que pedisse, ela conseguiria.
Antes de continuar, olhou para César e Arthur, parados meio sem jeito no canto do apartamento. Então, se virou para a irmã e deu um sorriso confiante. Um sorriso que dizia "tudo bem".
Então, voltou a olhar o irmão mais velho, e segurou a mão dele entre as suas.
-- É só você vir com a gente!
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Os Que Ficam Pra Trás
Fiksi PenggemarLiz sente falta do pai, sente falta da mãe, e, talvez mais do que isso, sente falta do que nunca teve: uma infância normal. Apesar disso, ama a própria vida: mistérios, aventuras, tudo o que uma criança pode querer. Mas, depois de um acidente que de...