espaço vazio

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Liz ignorou o peso no peito quando largou a mochila no chão e a chutou para debaixo da mesinha.

Com um clique baixo, soltou a trava da arma e a segurou, o dedo pousado no gatilho.

Seus olhos varreram a sala, mas nem mesmo uma Sombra parecia ocupar o local. Então, lentamente, se virou para o banheiro.

Entrou, e não viu nada além do próprio reflexo no espelho.

Tentando respirar sem fazer barulho, a garota continuou, entrando na enfermaria.

-- Marcela? -- Ousou chamar, e sua voz reverberou na base vazia. -- Marcela? É a Liz. Lembra de mim?

Enquanto falava, ia abrindo as cortinas das macas. Todas elas vazias. Jennifer ia ao seu lado, pisando com cuidado.

Nem mesmo sinal da enfermeira que costumava ficar ali dia e noite. Nada além de algumas anotações deixadas no balcão. Parecia que ela tinha só saído para almoçar e voltaria a qualquer segundo.

Algo dizia a Liz que, se algo aparecesse, com certeza não seria a Marcela.

Saiu da enfermaria.

Andou ao redor da sala mais uma vez, olhando debaixo das mesas e atrás dos armários.

Os quadros de avisos tinham papéis colados, e documentos estavam espalhados nas bancadas, mas Liz sentia que não era o momento de parar e analisar os documentos com calma.

Jennifer não dez cerimônia, e se enfiou na velha loja de armas da Ivete, onde passara boa parte da vida antes de se tornar uma gata velha e preguiçosa.

Liz passou para trás da bancada e passou os dedos nas armas enfileirados metodicamente pela mão da avó.

Ivete era durona, pensou Liz, passando a mão na espingarda presa na parede, que tinha o nome da mulher gravado. Aquela velha tinha criado a menina para ser como ela, e agora Liz agradecia por isso. Precisaria da coragem absurda daquela dona de bar sulista.

Mas a loja também estava vazia.

-- O César tá devendo aqui, ó, Jen. -- Riu a menina, e aquele som pareceu estranho naquele lugar silencioso e levemente ameaçador.

Então, se virou para o outro lado. O corredor.

Foi andando, ignorando as portas, até chegar à grade que dividia as celas do resto da Ordem. Trancada. Era um alívio. Mas o painel lhe dizia que nenhuma cela estava ocupada.

O que significava que os antigos prisioneiros tinham fugido. Não estavam ali. Liz decidiu que aquilo não era exatamente uma notícia boa.

Então, entrou no laboratório. Nada. Nem sinal de vida.

Parou na porta da sala de pesquisa.

Os computadores estavam desligados, e aquilo parecia simplesmente errado. Aquela era a sala que nunca parava. Mas podia muito bem nunca ter sido usada, se não fosse pelo pacote vazio de salgadinhos na mesa do Samuel, e as fotos na parede.

Deus, as fotos do César.

Algumas pareciam estar bem, mas outras tinham sido rasgadas, como se alguém tivesse passado uma faca pelo papel.

Aquilo fez o coração de Liz doer.

O rosto de Cristopher, o pai do César, estava destruído, assim como o de Thiago.

Thiago. O Thiago dela. O pai dela. E o rosto da Elizabeth...

O rosto da mãe tinha sido queimado da foto.

Não fora obra de César. Ele nunca estragaria as próprias fotos. Aquilo era horrível. E era i primeiro sinal de que a base tinha sido atacada.

O segundo estava na sala seguinte.

O escritório do Senhor Veríssimo, um lugar que ela não visitava havia anos, e no qual entrara poucas vezes, mesmo antes de ser expulsa da base da Ordem, estava um caos.

Papéis espalhados no chão, cadeiras viradas, documentos rasgados, marcas de tiro e espadadas nas paredes. Todos os sinais claros de uma luta.

"Uma luta perdida", pensou Liz, tocando com a ponta dos dedos uma mancha vermelha no piso.

Tendo vivido um quarto da própria vida com a Agatha, podia dizer com facilidade o que aquilo era.

Sangue seco.

Os Que Ficam Pra TrásOnde histórias criam vida. Descubra agora