XIX - Capítulo dezenove

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Kamila

Olhei a hora no celular pelo que pareceu ser a quinta vez no dia. Eu nunca faço isso, não me distraio numa aula, principalmente de literatura, mas eu estava ansiosa.

Prometi pra mim que não ia parecer tão nervosa, não, eu ia segurar a barra, esperar o dia passar na tranquilidade, ir trabalhar de noite e só aí eu ia ver ele. Na tranquilidade. Sossegada.

Isso durou o tempo de eu chegar na escola.

Estávamos na segunda aula e eu queria perguntar em que parte do Rio de Janeiro Roberto estava.

Só que eu não podia simplesmente perguntar. Como o maluco que ele é, ele não tem celular. E em parte é esquisito. Isso me faz lembrar da nossa situação boa e estranha ao mesmo tempo.

- Kamila?

Ouvi a voz chamar meu nome.

Ergui a cabeça e me deparei com Marcelo a minha frente. Eu reparei no seu novo corte de cabelo e até nos desenhos na parede atrás dele. Estava contemplativa.

- Ficou legal... - eu disse.

- Ham?

- O cabelo, ficou legal - esclareci apontando pra o corte que terminava com um risco na sobrancelha e que combinava com ele, apesar do seu jeito mais fechado.

Ele ia dizer alguma coisa engraçada, percebi. Quando Iza, que estava na carteira atrás de mim retrucou:

- Nem ficou tanto assim. - ela falou fazendo careta - talvez se você fosse preto.

- Eu ouvi direito - Marcelo coçou uma orelha como se tivesse perdido a audição - Maria Izabel falou comigo depois de todos esses anos, pensei que ignorasse a minha existência.

Iza cruzou os braços numa postura audaciosa e olhou pra ele de cima a baixo. Senti quando ela esticou os pés na carteira atrás da minha.

- Eu ignoro, ainda não aprendi seu nome.

- Se você deixasse eu te ensinava.

- Vai se fude garoto. Você e esse seu cabelo esquisito.

Marcelo estalou a língua no céu da boca sem preocupação, ele pôs as mãos nos bolsos do moletom antes de dizer:

- Ah Izabel, de esquisito tu não pode me chamar. Lembra daquela vez que você cismou que queria o cabelo da Kelly Kay e fez a dona Eliza pintar tudo, só que ele caiu e tu ficou parecendo a Ana Maria Braga só que emburrada? Porque eu lembro.

- Isso aconteceu mesmo? - eu disse rindo muito.

- Aham, e geral ficou perguntando se ela era sapatão. A Izadora brigava com todo mundo.

- É verdade - Izadora confirmou lá da sua carteira na frente da classe.

- Ai moleque cala a boca, vai embora vaza - Iza já estava enxotando ele para o seu lugar no fundo da sala.

A professora chamou a nossa atenção e nessa hora a gente se calou. Mas eu podia escutar a minha prima xingando atrás de mim. Me virei lentamente e sussurrei:

- Por que não gosta dele?

Ela me respondeu no mesmo tom baixo:

- Porque ele é um pau no cu.

Soltei uma risada pelo nariz sem querer e me virei pra frente pra não levar mais bronca.

No intervalo a gente sentou de baixo daquela amendoeira-da-praia que eu gostava tanto, e até outras pessoas também ficaram lá conversando e rindo com a gente. Marcelo não apareceu e ninguém pareceu sentir falta. Só que uma pessoa muito mais incoveniente decidiu se juntar a nós.

O Dono do MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora