III - Capítulo três

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Kamila

Uma das piores coisas sobre morar em um ônibus é querer usar o banheiro. Ele fica no final do corredor de assentos e é como um quartinho sacolejando com um vaso enorme cheio de xixi.
Eu tentava o máximo segurar até chegar a uma parada, um posto de gasolina, um restaurante.

À noite, quando o ônibus estava escuro e eu passava pra ir ao banheiro, o homem da última cadeira apertava a minha bunda enquanto a mulher dele dormia. Ele fez isso duas vezes e não é como se eu não tentasse impedir, não é como se eu gostasse, é só como se a única coisa que eu pudesse fazer pra me proteger é NÃO IR AO BANHEIRO.

Mas isso não é tudo. Também percebi que sempre existe um grupo de homens num posto de gasolina que em geral, são muito suspeitos. Eles não tem nenhuma utilidade aparente. Não são frentistas, e também não estão lá pra fazer revisão no carro. Eles só ficam numa semirrodinha, fumando e olhando quando você passa.

Se fosse pra chutar sua utilidade, eu diria que é fazer você se sentir desconfortável e ter a sensação de que não se cobriu o suficiente.

Eu e a minha mãe - e também qualquer mulher que passasse por ali - fomos alvo desses olhares maliciosos, e nós estávamos bem agasalhadas - o frio da estrada era inegável - porém podíamos estar de batina, a roupa nessas situações é sempre o de menos.

Mas na verdade eu mentiria se dissesse que usava menos que isso.
As minhas roupas eram, na sua maioria, cinco, sete palmos acima do joelho. As blusas também seguiam o padrão de serem compridas. Eu nunca mostrava demais e isso não tinha nada a ver com castidade ou eu repudiar mulheres que não fazem o mesmo. Eu até usava roupas curtas ou abertas frequentemente, porque no calor que faz em Cabaceiras, seria impossível não usar.
Mas eu refiro calças jeans, aliás, eu amo calça jeans, calça jeans é vida. Também acho muito lindo aqueles moletons mas eu não tive muitas oportunidades de usar um naquele calor da disgraça.

Tento me alegrar um pouco:
Quando você estiver lá, talvez faça frio as vezes. Você vai poder usar moletom!

Enfim, acho que os pontos pra eu não gostar de roupas curtas são:

1• Eu não tenho. A maioria das minhas roupas foram passadas de gerações: das minhas tias, pras minhas primas e depois pra mim. Eu não tenho bem aquilo que se chama "estilo próprio".

2• Eu não me sinto muito bem expondo o meu corpo, porque, bem, eu não gosto dos olhares.

3• E claro, quando você usa um shortinho lindo e uma blusa decotada, as pessoas já admitem que você sabe rebolar até o chão e subir bem plena como se não estivesse fazendo nenhum esforço físico. E eu não sei fazer isso, eu não escuto funk, então eu nunca precisei.

Tirando o desconforto que era ir ao banheiro, essa viagem foi, no mínimo desafiante.
Nós só comiamos decentemente uma vez por dia: na hora do almoço em que o ônibus parava em algum self service.

Minha mãe, apesar de ainda ter dinheiro suficiente pra viajarmos com conforto preferia poupar, e eu a entendia, afinal quando chegássemos lá não podíamos depender cem por cento da família. Eles não era bem o que se chama de economicamente estáveis.

Mas estava tudo bem, eu não reclamava de comer biscoito na janta e muito menos o meu irmão de comer salgadinho  a qualquer hora.

- Mocinho quando você chegar lá - dizia minha mãe à Miguel - só vai comer verdura pra compensar!

Ele fazia uma careta de desaprovação e me abraçava como se eu pudesse o proteger das promessas da minha mãe.

De nós, Miguel era o mais apegado com o meu pai.

O Dono do MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora