II - Capítulo dois

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Kamila

Já é de noite e o fato de eu estar sentada a tanto tempo numa cadeira de rodoviária deixa meu corpo dormente, sem falar do peso a mais do meu irmão no meu colo.

Foi pior do que eu imaginava, agora nós literalmente não temos nada a perder.

Nós vamos viajar de ônibus então tudo que podemos levar se resume a mochilas e uma mala.

E foi de longe a coisa mais triste que eu já vivi ter que ver minha mãe vender a nossa casa toda pra ter dinheiro pra viajar, e ver meu irmão chorar sem entender por que não tinhamos mais geladeira.

Agora nós estamos esperando um ônibus que parece nunca chegar.

Minha mãe está do meu lado com a cabeça encostada no meu ombro, encarando o nada com uma expressão cansada. Miguel, meu irmãozinho já dormiu a muito tempo.

Sinto vontade de chorar mas não vou.

- Filha... - ouso minha mãe chamar.

- Sim?

- Eu queria te pedir desculpa sabe, se tua mãe tivesse estudado, trabalhado mais nessa vida, a gente não ia precisar passar por isso. - ela disse com a voz falhada e os olhos marejados.

- Mãe, não. Não pensa isso de jeito nenhum!Não é culpa sua, você tá sendo muito forte agora tendo que enfrentar as consequências dos erros do meu pai, não pense de jeito nenhum que você é culpada por isso, você tá sendo a melhor mãe pra nós dois agora.

Nesse ponto as lágrimas já desciam livres pelo rosto dela. Ela segurou minha mão e disse:

- Mas eu prometo Kamila, eu não vou deixar isso acontecer contigo. Tu vai estudar Kamila, tu vai ser alguém na vida. Sua mãe pode ter sido fraca mas você não vai depender de homem nenhum.
Pro seu bem minha filha, não siga os paços da sua mãe. - a voz da minha mãe já aguda por causa do choro.

- Ei, ei, ei - disse apertando sua mão com força - eu tenho muito orgulho da mulher que a senhora é viu? Se eu vou estudar pra vencer na vida, é pra te dar tudo que a senhora merece. Mãe um dia, eu vou te fazer a mulher mais feliz do mundo.

Nós duas choramos muito, porém baixinho pra não acordar Miguel.

Eu já nem sabia o que dizer pra consola-la.
Beijei seu rosto enxugando as lágrimas e ficamos ambas quietas, só agradecendo silenciosamente a presença uma da outra.

Ficamos assim por mais ou menos meia hora, quando ouvimos o barulho do ônibus chegando.

Seria uma viagem longa. Três dias na estrada e se não estávamos prontas pra encarar tudo isso, não importava muito.

Minha mãe tem uma frase que diz: " se não fosse isso, seria outra coisa", então é isso que eu digo a ela, e ela me olha com um sorriso triste. Pegamos as nossas poucas bagagens e eu acordo o meu irmão pra embarcarmos rumo a nova e assustadora vida que nos espera.

Sentada na poltrona da janela, eu olho pelo que pode ser a última vez a Paraíba, os vultos de Juazeiros e Mandacarus na beira da estrada quase passando a cerca de arame e estacas que está sempre presente nesse ambiente.

Fecho meus olhos e sussurro com esperança:

- Amanhã será outro dia.

O Dono do MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora