Olhar

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Ambas se olharam intensamente.
O sobretudo caramelo de Andrade voava à medida que o vento colidia com seu corpo. Ninguém falou nada, mas também, não ousaram retirar os olhos uma da outra.

A morena piscou algumas vezes, tentando observa-la melhor. Mas sem sucesso, já que lágrimas inundavam cada vez mais em seus olhos. Virou-se rapidamente, tentando manter o foco. Mas uma coisa era certa, por que diabos aquela mulher estava no mesmo lugar que ela? Justo no mesmo dia, na mesma hora, no mesmo lugar?

Essa era uma das perguntas que rondavam a mente de ambas.

As mãos trêmulas da morena não paravam nenhum instante, sua respiração ofegante denunciava o quão a enxurrada de nervosidade a atingia facilmente, o suor que descia a fazia perder toda sua coragem.

"Lembre-se: sempre que estiver nervosa, respire cinco vezes."

O conselho que sempre a acompanhou desde seus cinco anos. Relembrando isso, inspirou e expirou uma, duas, cinco vezes....  

Ela certamente iria pular.

Uma rajada de vento atravessou o lugar, fazendo com que suas pernas bambeassem. No mesmo instante, ela gelou.

A fotografia em sua mão caiu no mar e a única coisa que ela fez foi gritar.

— Não, não, não! — Afundou suas mãos em seus cabelos — Não vai meu amor, de novo não...

Desatinou a chorar e sem mais, deixou seu corpo leve como uma pena ir lentamente para frente. Seus pés estavam na borda e então...

— O que pensa que está fazendo? — A loira segurou fortemente sua cintura, puxando-a para trás.

— Me solta agora! — Gritou furiosa, se debatendo nos braços da mais alta.

— Não.

A mais alta segurou tão firme o corpo da morena que em instantes, a colocou sentada no chão mesmo com toda insistência de querer jogar-se no lago.

A garganta dela doía de tanto ter prendido o choro e agora, tudo veio à tona, outra vez.

— Shhhh... — A loira se compadeceu no mesmo instante, a puxando para seus braços — Calma.

Naqueles braços de uma completa estranha, a mais baixa deixou toda sua dor se esvair.

Ambas com suas dores enraizadas no peito não conseguiram fingir, nem por um instante, que nada estava acontecendo ao seu lado.

— Melhor? — Finalmente o silêncio foi quebrado naquele ambiente solitário. Sarah fazia cafuné em seus cabelos lisos enquanto sentia sua blusa molhar com as lágrimas quentes da outra.

— M-me desculpa... — Suspirou cansada, sentindo seus olhos pesar.

— Não precisa me pedir desculpas. — Um instante de silêncio se fez presente no ambiente — Quer conversar?

A morena encolheu-se mais ainda. Ela não conseguia falar com ninguém sobre o que machucava seu coração.

— O.k. Me chamo Sarah, prazer. — Falou em um tom cordial, retirando o próprio casaco para embalar a pequena criatura em seus braços que agora tremia de frio.

— É um... — Fungou outra vez — Nome bonito.

Pela primeira vez, Sarah sorriu.

— Qual o seu?

— Juliette.

— É lindo! — Se desvencilhou de seus braços — Você tem pra onde voltar?

Tristemente, Juliette assentiu.
Seu olhar estava sempre baixo, como se nunca quisesse encarar o que estava a sua frente.

— Juliette, eu nem conheço você. Mas saiba que não vale a pena fazer isso! Ok?

Sarah estava agachada a sua frente, segurando seus joelhos enquanto tentava ver além daquela dor estampada em seu rosto.

— Sei que está doendo aqui — Apontou para seu coração — Mas passa. Tudo passa. A vida não acabou.

Amargamente, a morena riu.
Uma risada sem humor, triste, medonha.

— A vida não acabou, Sarah? Como pode me afirmar isso?

E foi só ouvindo essas palavras que Sarah se tocou que a vida dela também tinha acabado quando ele se foi. A dor que aquela menina sentia, sabe-se lá o porquê, talvez coincidisse um pouco com a sua.

Andrade falava, falava e falava, mas tudo era em vão. Nem mesmo ela acreditava nas próprias palavras.

— Sinto muito. — Suspirou, levantando-se — Mesmo.

Sarah deu apenas três passos e parou no mesmo instante.

A morena seguia sentada no chão, abraçando suas próprias pernas enquanto respirava fundo. Ela não queria deixar aquele ser machucado sozinho, mesmo que a própria Sarah preferisse não estar na companhia de ninguém.

— Está com fome?

Dessa vez, seus olhos se encontraram outra vez. Ambos marejados pelas lágrimas.

— Podemos comer um cachorro quente, quem sabe. — Deu de ombros — O que acha?

— Não estou com fome...

No mesmo instante, a barriga da menor roncou e ela automaticamente sentiu suas bochechas corarem.

— O.k então, Juliette. Você não está com fome! — Um riso verdadeiro se fez em seua lábios — Eu sei que não nos conhecemos, mas não vou deixar você sozinha aqui.

— Eu não vou pular...

— E como posso ter certeza disso?

Com o dedinho estirado, a morena olhou para aquela loira esperando uma resposta.

— Promessa de dedinho?

— Não quebro elas. — Respondeu baixo.

Então, unindo seus dedos mindinhos, a promessa foi feita. Juliette não pularia, não mais.

— Cachorro quente? — Sarah indagou, mantendo seus dedos unidos.

— Pastel?

— Pode ser.

Pegando sua mochila e olhando uma última vez para o lago abaixo de si, Juliette sentiu seu coração apertar outra vez.

— Você não vem? — A voz rouca lhe despertou de seu transe.

Assentindo com a cabeça, a morena colocou a mochila nas costas e a seguiu, ladeada a ela.

Ambas com suas mãos enfiadas no bolso, ambas em silêncio, mas, ambas mulheres seguindo em frente.

Reinício | SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora