Ponte

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No fone de ouvido branco, uma canção ecoava. Talvez a música Train Wreck realmente fosse algo que a definiria bem naquele momento; mas mesmo assim, mesmo sem entender exatamente o seu significado, aquele som a levava para fora de órbita.

E a verdade é que realmente ela queria isso. Queria algo que a tirasse de si mesma, pelo menos por um instante.

Não queria lidar com aquela dor, apesar de conviver com ela vinte e quatro horas por dia. Não queria ter que conversar, mesmo pessoas a obrigando. Não queria ter que pensar, apesar de não saber como livrar-se disso.

Ali, caminhando naquelas ruas por volta das seis horas da tarde, observando pessoas irem e virem, sentiu mais uma vez o quão estava sozinha.

Respirando fundo, colocou seu capuz cinza em sua cabeça, afundando suas mãos nos bolsos do moletom. Carregava uma mochila preta pequena e mantinha seus olhos baixos.

— Ei, menina. — Uma boa senhora sentada em um dos bancos, em frente a sua venda da esquina, gritou — Pra onde vai?

— Ah, oi! — Sorriu fraco — Estou indo ali na praça.

— Ah, sim. — Sorriu docilmente — Mande um abraço pra sua mãe, ok? Depois venha aqui comer algumas broas.

Ela engoliu seco, sentindo seus olhos marejarem.

— Nos vemos... Em breve! — Acenou, voltando a andar rapidamente.

Em instantes, sentiu seu celular não tão caro assim vibrar.
No visor, o nome mainha escrito. Mas ela não atendeu.

Ao contrário, retirou-o do bolso e sentou no chão, próximo a um poste de luz. Abriu a galeria e a viu ali, como fazia todos os dias, a todo momento.

Agora, lágrimas salgadas caíam repentinamente e com velocidade por suas bochechas fofas e macias.

— Por que chora? — Um homem maltrapilho apareceu diante dela com suas roupas rasgadas e uma caixa de papelão na mão. Aquele era o seu dormitório.

— Ah... — Gaguejou, enxugando suas lágrimas — N-nada.

— Seja lá o que você vai fazer... — Olhou para o horizonte por um segundo — Lembre-se que a vida é assim, ela nos cega com lágrimas, mas você precisa ter coragem para olhar através delas.

— O que quer dizer com isso? — Soluçou outra vez.

— Estou dizendo exatamente o que você vai se dar conta daqui a um tempo, minha jovem. — Ele voltou a seguir seu caminho lentamente.

Levantando-se, ajeitou sua mochila e respirou fundo.

— Isso não vale a pena. — Sussurrou para si mesma.

Com passos mais rápidos, avançou para onde queria. A verdade é que ela pensou tanto nisso durante os últimos dias que não se satisfaria enquanto não realizasse o que se propôs.

Ali, naquela ponte gélida, escura e feita de pedras, fechou os olhos fortemente e soltou o ar preso. Retirou a mochila de suas costas e a primeira coisa que tirou foi uma fotografia. Beijou-lhe com devoção, olhando bem para ela.

A abraçou, como se fosse realmente alguém ali, estendendo-lhe os braços e apertando contra si. Pôde sentir o cheiro de baunilha que tanto lhe impregnava as narinas, a voz suave, o olhar atencioso e sentia as mãos, que sempre eram unidas assim que dormiam, tocar suavemente na sua.

Apertou mais ainda a foto, tão forte quanto podia.
Tomou a última dose de coragem, mesmo com suas mãos trêmulas e o coração quase saltando pela boca. Mesmo com seu rosto encharcado de lágrimas.

Mesmo assim, subiu no mesmo lugar que servia para apoiar-se na ponte e viu abaixo de si, a água correr. Era tão fundo, tão agoniante, tão desesperador.

Mas com certeza, não era tão doloroso quanto o que sentia.

Foi no quase, naquele segundo insano, que ela não pulou. Mas olhou o céu estrelado, às árvores que balançavam em sentido contrário e uma mulh...

Espera aí...
Uma mulher? 

Reinício | SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora