Capítulo III: Vallis

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Quando Augustus entrou em seu quarto, havia alguém em pé, de postura reta, assistindo às chamas da lareira; o príncipe esticou a mão na direção da espada no cinto, mas logo relaxou quando o rosto severo do pai se voltou para ele em uma expressão de desagrado.

— Onde estava? — questionou o rei, os braços cruzados sobre o peito como uma indicação clara de que estava furioso embora parecesse apenas levemente contrariado.

— Treinando um pouco, vendo o céu...

— E rolando na grama? — completou Arnold olhando as manchas de sujeiras na roupa do filho.

— Não sou mais criança, não preciso que me vigie. O que está fazendo aqui?

— Vim ver como estava, você saiu rápido depois que fechei acordo com Kan M'Arhaem.

— Concluí que quanto menos entendimento tiver do assunto, menos furiosa ela ficará quando descobrir. — disse Augustus, agachando-se diante da lareira e esticando a mão para o calor das chamas quase sem perceber, como um hábito que não conseguia controlar, Arnold estapeou sua mão.

— Pare com isso, vai se machucar de verdade algum dia desses. — Arnold o olhou nos olhos quando Augustus se ergueu para encará-lo — Você mais que qualquer um deveria entender que nossa posição exige sacrifícios, ela entenderá também.

Augustus riu, imitando a postura do pai.

— Boa sorte com isso, assim que Larissa descobrir vai querer sua cabeça.

— Às vezes os sacrifícios incluem ser odiado pelos próprios filhos, você verá. — o rei dispensou a ameaça com um aceno na mão — Seu desaparecimento repentino sem me dar satisfação e ainda fora de Vallis é inaceitável, não o trago comigo por diversão, é seu papel me acompanhar.

— Sermão recebido, pode me deixar descansar agora? Partiremos cedo amanhã.

— Não estou aqui só por isso. — o rei sentou-se em uma poltrona ao lado da cama, apontando para que Augustus se sentasse na outra — Recebi uma carta da Ilha Emi há alguns dias, a princesa Adele estará no baile de sua irmã e espero que a trate de forma adequada. Pensei em não informá-lo já que sei que pode fazer o contrário por pura teimosia, mas seria terrível para ela imaginar que você não aguardava por sua chegada.

O príncipe revirou os olhos, era seu pequeno gesto inofensivo de rebeldia.

Tinha treze anos quando visitou a Ilha Emi com o pai, passara tardes conversando com Adele e seu irmão mais velho, Ardeon, eram boas pessoas, Adele era um garota muito sensível e gentil, mas todos olhavam para eles com expectativas, expectativas que Augustus tinha idade o suficiente para saber que jamais atenderia.

— Conversamos sobre isso diversas vezes, pai...

— Isso não é um diálogo, Gus. Neste caso eu falo e você escuta. — a voz do rei não aumentara em volume, mas de alguma forma parecia muito mais alta agora, Augustus se calou — Eu te ofereci uma escolha, a mesma escolha que oferecemos a Adele, ela escolheu você e seu prazo se esgotou. Ela é sua prometida e desde já espero que seja tratada como uma rainha. Você entendeu?

— Sim, majestade. — o príncipe respondeu com firmeza, não escondendo o veneno na voz ao dizer a última parte.

Arnold se tornara rei muito cedo, seus olhos apresentavam o cansaço de um homem que perdera muito e lidara com muito mais que a indignação de um herdeiro irritado, mesmo assim ele balançou a cabeça com tristeza.

— Um dia vocês entenderão, todos vocês. — ele murmurou se levantando — Boa noite filho.

Augustus não respondeu, apenas assistiu em silêncio enquanto o rei abria a porta, quase derrubando duas pessoas para dentro do quarto.

Amisterium: O Herdeiro LegítimoOnde histórias criam vida. Descubra agora