| M E G A N |
Romênia, Dezembro de 1997O PEQUENO VILAREJO DE CAMPUL-VOCI ERA ATORMENTADO impiedosamente pelas sequelas de um inverno rigoroso. Com a chegada adiantada das quedas de temperatura em meados de outubro, a safra de final de ano teve seu fim trágico selado devastadoramente, deixando dezenas de lavradores sem sua fonte de renda para o final do semestre e, consequentemente, sem suprimentos para sobreviver àquela época do ano.
Com o declínio da economia local tornando o frio do inverno ainda mais assolador, Dimitrie Anghel partiu em uma viagem de última hora até a cidade vizinha, visando estabelecer um acordo com seu empregador e receber um adiantamento para a próxima colheita. Uma alternativa desesperada, mas que poderia livrar a família Anghel da fome que os desolava. Cluj-Napoca — terceira maior cidade da Romênia, a noroeste da Transilvânia —, capital do județ de Cluj, ficava há menos de oitenta quilômetros do vilarejo, mas mesmo localizando-se nas proximidades, o retorno de Dimitrie ocorrera rápido demais para algo que supostamente deveria ter durado no mínimo duas horas.
Eram quase onze da noite quando Megana Anghel escutou o som da caminhonete do pai, e instantes depois, a porta da frente batendo com força. A garotinha rapidamente se esgueirou para fora da cama, tomando cuidado para não acordar os irmãos — com os quais dividia o quarto —, e na ponta dos pés, caminhou pela pequena cabana de sua família, aproximando-se sorrateiramente do corredor ligado à cozinha, onde seus pais discutiam. Não podia correr o risco de ser descoberta, então manteve-os fora de sua vista, perto o suficiente apenas para decifrar suas palavras. Eles conversavam através de sussurros, mas isso não deixou a discussão menos intensa, visto que a voz de seu pai transbordava raiva e aborrecimento.
Era nítido pelo peso ofensivo de suas palavras que não obtivera êxito em conseguir o adiantamento, o que significava que a família havia ficado sem alternativas para se livrar da fome. A garota escutou os sussurros da mãe, Olga Anghel, tentando de todas as formas acalmar os nervos do marido, mas Megana sabia exatamente o que acontecia quando seu pai se encontrava daquela maneira. No mesmo instante em que o pensamento lhe ocorreu, pôde ouvir em alto e bom som o estalar da pele de sua mãe chocando-se contra a palma pesada de Dimitrie, o que causou à garota um embrulho no estômago ainda pior do que a fome nauseante que a atormentava.
Aquela não era a primeira vez, e certamente também não seria a última, mas Megana sabia que não havia nada que pudesse fazer para impedir. “Apenas mantenha distância e deixe-me lidar com ele’’ disse a mãe, certa vez. “Você sabe como seu pai pode ser um pouco temperamental às vezes, mas não se preocupe, tudo acabará bem”. A garota correu de volta para o quarto assim que a discussão se intensificou, escondendo-se sob os cobertores como se pudesse fugir da realidade violenta que machucava profundamente alguém a quem tanto amava. Era difícil distinguir a fome do pânico que revirava suas vísceras, mas Megana sabia que no momento era assombrada pelos dois.
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Melius - Cidade Dos Corvos
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