A viagem era uma surpresa. Mas eu devia ter percebido as pistas que Jungkook entregava de bandeja.
Era comum que ele pedisse para que contasse histórias à noite, quando ele mesmo não repetia o mesmo conto de fadas. Sempre antes de seguir para seu quarto, esperar eu pegar no sono, e então voltar carregando a dúzia de edredons que forrava no chão aos pés da minha cama para que pudesse dormir ali.
Ele gostava de ter certeza de que eu estava bem, e na grande maioria das madrugadas, era ele quem me tranquilizava, porque era impossível me manter sempre bem quando nossos pais não estavam por perto. É difícil demais se manter bem, sabendo que nada está bem. Têm momentos em que não é possível impedir as rachaduras de se abrirem de uma só vez e transbordarem todas as feridas.
Jungkook não era, para mim, um curativo. Ele não tentava me curar. Mas era um analgésico, que tranquilizava o ardor por mais um tempo, e depois por mais um pouco, e um pouco mais, sempre que eu acordava de um sonho bom demais para ser verdade.
Poucos dias antes de partirmos para a tal viagem, e antes mesmo de eu ser informado do que eles planejavam, Jungkook entrou com passos leves no meu quarto. Achou que estaria dormindo, mas meus olhos se recusavam a descansar mais uma vez. Por isso eu o interrompi antes mesmo que pudesse dobrar o primeiro edredom.
— Ainda com essa mania?
Jungkook não se assustou. Ele nunca se assustava com nada que vinha de fora. Na verdade, ele sorriu, sem mostrar os dentes, e se aproximou em passos hesitantes.
— Posso dormir com você? — Foi um sussurro.
Eu não demorei sequer um segundo para assentir, sorrindo do mesmo modo e me arrastando no colchão para dá-lo espaço. Ele se deitou em meu ombro, como sempre fazia, e ficamos os dois encarando as fotos no teto, mal iluminadas pela luz amarelada da luminária ligada na escrivaninha.
— O que vai me contar hoje? — Perguntei. — Preciso de uma história para conseguir dormir.
— Estão te incomodando também? — O tom do questionamento foi preocupado, mesmo que ele não estivesse olhando em minha direção. — As estrelas. Estão te incomodando?
Suspirei. Frases como aquelas eram comuns vindas de Jungkook, e por mais que dissessem ser mais certo arranca-lo de suas analogias imaginativas, eu apenas preferia me habituar a seu modo de ver o mundo do que arranca-lo para o lado real de tudo.
Era injusto. Afinal, Jungkook passou por coisa demais em seus dezessete anos, quando na verdade deveria estar aproveitando sua infância.
— Tem muitas delas hoje? — Foi o que perguntei, então.
Ele assentiu.
— O brilho, não me deixa dormir. — Explicou enquanto bocejava. — Elas estão flutuando no corredor.
Nós dois olhamos para a porta entreaberta, e pude sentir arrepios escalarem meus braços quando vi o brilho pálido se mover ali, mas a buzina que se seguiu me fez entender que somente se tratava do farol de um carro que passava pela rua. A luz entrando pela janela entreaberta próxima ao banheiro, onde as cortinas finas e brancas se agitavam pela brisa fresca que vinha visitar.
Eu não podia ver através dos olhos de Jungkook. Talvez, se pudesse, enxergaria o reboliço que dançava de um lado para o outro, imitando o movimento inconstante da mesma brisa que eu sentia refrescar meus pés descobertos.
Eu olhava para a foto de um sorriso desenhado quando respondi:
— Em parte. Uma das grandes estrelas me incomoda nos sonhos ultimamente.
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A.U.T.E.N. - Estrelas e Dragões | Taeyoonseok | Concluída
Fanfic•|CONCLUÍDA|• Min Yoongi teve tudo. Teve tudo o que poderia desejar de uma infância feliz, ao lado das melhores pessoas que já teve o prazer de encontrar, mesmo estando em uma cidade tão pequena como Mency. Acontece que, para ele, a pequena cidade t...