Capítulo 14 - A covardia e a ignorância

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Dedicado a Cha0tic_Lory

Atenção: Esse capítulo fala diretamente sobre perda, morte e luto. Algumas cenas podem causar desconforto. Por favor, se sentir incômodo em alguma altura, interrompa a leitura.

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"É um poema maravilhoso", eu comentei naquela tarde.

Ele rolou os olhos.

'Vamos, tente. Aposto que vai adorar", insisti.

"Não sou fã dessas coisas sentimentais".

"Diz o ser mais dramático do ambulatório", cruzei os braços. "Vamos", gesticulei, "Sua voz é linda. Me deixe ouvi-lo recitar".

Yeonjun pegou o celular sem muita paciência, rolou a página até o final e bufou, irritado.

"'Que minha loucura seja perdoada'? Pelo amor de Deus, Yoongi!".

"Vamos", pedi outra vez. "Por favor!".

Ele resmungou, mas pigarreou antes de começar.

"Que a força do medo que eu tenho, não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo o que acredito, não me tape os ouvidos ou a boca. Porque metade de mim é o que falo, a outra metade é o silêncio..."

"Silêncio", foi o que disse o escritor.

A morte não tem nada de silenciosa.

A morte canta com liriscidade. Tão doce quanto uma flauta.

É como o despencar de uma moeda em meio a todos os passos apressados da cidade. O tilintar do metal contra o asfalto no chão chama todos os olhares, como não faz o canto vívido de um pássaro pousado nos fiamentos dos postes.

Yeonjun seria o tipo de pessoa que chutaria a moeda, e seguiria o canto baixinho do pássaro. Ele era esse tipo de pessoa.

Ele foi. E, ainda hoje, eu não sei trata-lo nesse tempo verbal sem me corrigir algumas vezes.

Havia, sim, um ponto realista na visão dramática de Yeonjun. Mas é o que se espera de alguém que luta contra o câncer desde os cinco anos de idade.

Por muitas vezes, ele tentou se apegar às histórias dos que superaram a ordem de aniquilação imposta pelo mundo. Tentou se apegar à possibilidade de retomar, algum dia, a vida que o pertencia e o mundo tanto trabalhava em cancelar. Mas ele desistiu de tentar a partir do momento em que a vida daquele pássaro cantor, pousado sobre a fiação, o pareceu mais distante do que a moeda rolando por entre os pés apressados pela rotina.

Ficou mais fácil se concentrar em encontrar uma maldita moeda em meio ao labirinto de transeuntes, do que encarar a silhueta pequena das asas contra a luz do sol.

Para quem ainda não entendeu. A moeda é o destino que todos esperam, o que todos já conhecem e sabem que vira a acontecer. O pássaro é só uma esperança boba, cantando para ninguém ouvir.

O peso da moeda – da realidade – é bem menor do que o do pássaro – do positivismo. Mas enquanto o pássaro pode, facilmente, alçar vôo, pode-se segurar firme a moeda entre os dedos.  Se tem o controle sobre o dinheiro, como não se tem sobre outro ser vivo, e quando o assunto é a vida e a morte, o controle e o que mais se deseja.

É mais seguro se criar expectativas quanto ao fim, porque qualquer coisa que as contradigam no final apenas será vantagem, e trará boas sensações. Esse era o lema de Yeonjun.

A.U.T.E.N. - Estrelas e Dragões | Taeyoonseok | ConcluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora