22, o vazio e o novo amigo (lua nova)

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Dias após a noite do pijama, eu ainda não tinha conseguido voltar pra a minha concha protetora de entorpecência, e tudo parecia estranhamente perto e alto hoje, como se eu tivesse tirado algodão dos meus ouvidos.

A chuva batendo no meu capuz parecia estranhamente alta também, mas o som do ronco do motor era mais alto que qualquer coisa. Eu não queria voltar para a casa vazia de Charlie, ele passava boa parte do dia em seu trabalho, e ficar sozinha, em um ambiente um pouco adoecedor era terrível.

Eu sempre tinha pesadelos agora, toda noite. Não pesadelos, na verdade, não no plural, porque era sempre o mesmo pesadelo. Você acharia que eu tinha ficado entediada depois de todos esses meses, que havia ficado imune a isso. Mas meus sonhos nunca falhavam em me deixar assustada, e eles só acabavam quando eu me acordava suada, com uma sensação ansiosa que me dava vontade de morrer.

Não haviam zumbis, ou fantasmas, ou psicopatas. Não havia nada, na verdade. Só o nada. Só o labirinto sem fim de árvores cobertas de musgos, tão quietas que o silêncio batia quase insuportavelmente nos meus ouvidos. Estava escuro, como neblina ou um dia nublado, com luz suficiente apenas pra que eu visse que não havia mais nada lá pra ver.

Eu me apressava na escuridão sem um caminho, sempre procurando, procurando, procurando, ficando mais frenética enquanto o tempo passava, tentando me mover mais rápido, apesar da velocidade me deixar mais desajeitada... Então chegava aquele ponto no sonho, e eu podia sentir ela chegando, mas eu não parecia ser capaz de me acordar antes dela chegar, quando eu não conseguia me lembrar o que eu estava procurando.

Então eu me dava conta de que não havia nada pra procurar, e nada pra encontrar. Eu me dava conta de que nunca houve nada além dessa floresta vazia, melancólica, e nunca houve nada além disso pra mim... nada além de nada...

Essa era geralmente a hora que eu acordava.

Eu não estava prestando atenção de pra onde estava dirigindo, só vagando pelas estradas vazias e molhadas enquanto evitava o caminho que me levaria pra casa, porque eu não tinha mais pra onde ir.

As lágrimas quentes saíam inconscientemente dos meus olhos, eu não tinha amigos, eu não tinha mais Alice, eu não tinha até mesmo seus irmãos, que eu considerava grandes amigos agora. Eu voltei para o que eu sempre fui, alguém sozinha. E a dor começava a passar perto do buraco no meu peito. Eu tirei uma mão do volante e usei-a pra agarrar meu tórax e segurá-lo em um só pedaço.

Eu me curvei, pressionando meu rosto no volante e tentando respirar.

Eu me perguntei por mais quanto tempo isso podia durar. Talvez algum dia, anos mais tarde, se a dor diminuísse de forma que eu pudesse aguentar, eu poderia olhar de volta para aqueles meses que foram os melhores da minha vida. Meses que eu fui amada por outra mulher, meses que ela me quis como nunca, meses que arrumei amigos que jurei que seriam para sempre.

Mas e se o buraco nunca ficasse melhor? E se as beiras em carne viva nunca sarassem? E se o dano fosse permanente e irreversível? Eu me segurei com força. Como se ela nunca tivesse existido, eu pensei desesperada.

Eu não queria esquecê-la.

Lembrei da promessa que fiz para ela antes dela partir, de que eu iria me cuidar, iria tentar racionalizar a situação. Mas ela também me fez uma promessa, e quebrou ela.

Minha respiração ficou mais fácil, e eu fui capaz de me inclinar no banco.

Apesar de estar frio hoje, minha testa estava molhada de suor.

Não ser cuidadosa em Forks você precisaria ter muita criatividade, talvez mais do que eu tinha. Mas eu desejei poder encontrar algum jeito... Eu podia me sentir melhor se não estivesse segurando apertado, completamente sozinha, um pacto quebrado. Se eu fosse uma quebradora de pactos também. Mas como eu ia trair o meu lado do acordo, aqui nessa cidade tranquila?

crepúsculo (bellice)Onde histórias criam vida. Descubra agora