16. Sinceridade

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Eu estava de pé, diante de uma imagem.

Era tão real.

Me contive no meu lugar, examinando cada componente da cena.

Haviam duas crianças sentadas sobre um colchão confortável, aguardando ansiosamente por algo que eu ainda não sabia o que era. Uma das crianças tinha o cabelo escuro feito uma noite sem estrelas e a outra possuía cabelos castanhos avermelhados. Eles eram espectadoras, miravam atentamente uma mulher adulta, de cabelos castanhos grisalhos.

O trio desfrutava de uma ocasião rotineira, não estavam simplesmente se encarando como num retrato,por isso, concluí que, talvez, não se tratasse de uma imagem, mas sim de um momento.

A mulher adulta segurava um objeto retangular em suas mãos, dividido ao meio. Um livro.

Ao observá-los, soube que estavam prestes a iniciar o objetivo principal da pequena reunião noturna. Aquela cena era familiar...

O garotinho de cabelos escuros e de olhos verdes gritantes, com as pernas cruzadas sobre o lençol da cama, era Loki. A senhora de cabelos grisalhos, de pele suavemente enrugada e de óculos gigantes no rosto, era Helena. Já a garotinha com uma trança lateral, de olhos expressivos e brilhantes, no tom de uma cor castanho-acinzentada, nada comum, era eu. Estávamos os três na mesma cama de casal.

As mãos de Helena seguravam um pequeno livro de histórias, simples e até antigo. Um garotinho com pena na cabeça, e poucas vestes, se encontrava desenhado na capa, sob os letreiros destacados num tom dourado: "Os Pequenos Aventureiros".

Era um livro repleto de histórias relacionadas a grupos indígenas que viviam na Amazônia. Costumava ser o meu favorito e por isso quase toda noite pedia para que fosse lido. Isso não era nenhuma surpresa, visto que esse livro havia sido da minha mãe e essa informação era uma das poucas que Helena não havia me privado de saber.

Distraindo-me das emoções que se afloraram em meu ser, Helena sorveu o ar para começar a proferir as palavras que lia com os olhos, e eu me vi envolvendo o braço fino de Loki, usando o meu, ansiosa pela história.

ㅡ Era uma vez, uma linda cunumi...

— O que é cunumi? — Indagou minha versão pequena.

— Cunumi significa, criança, como você e Loki. 

— Ela tinha cabelos negros, lisos e sedosos, que se chamava Aiyra, e pertencia a uma tribo muito distante, que habitava a gigante floresta Amazônica. Durante o dia, Aiyra amava correr pelas raízes grossas das árvores, próximo a sua oca, onde ela e seus pais viviam. Embora seus pais pedissem para ela brincar por perto, Aiyra, sempre preferiu se aventurar pela mata mais densa da floresta, onde costumava brincar com os inúmeros animais que ali viviam. Dentre eles, o que mais se afeiçoava eram os macacos.

ㅡ Ela era como o Tarzan? ㅡ Perguntou Loki, pensando no mesmo que eu. Naquele momento, minha mente vagueava, enxergando uma garota de cabelos da cor carvão como os de Loki, de franja e de olhos puxados, se embrenhando pelos cipós das árvores, com suas mechas esvoaçantes se espalhando à medida que se movimentava.

ㅡ Era muito parecida com o Tarzan, mas havia algumas diferenças. A principal delas, é que Aiyra costumava voltar durante a noite para dormir na casa de seus pais. ㅡ Contou Helena. ㅡ No entanto, um dia, brincando entre os grossos troncos da floresta, Aiyra acabou se deparando com uma onça, faminta! — Helena coloca um tom urgente na última frase. — A pequena Índia ficou apavorada, pois não sabia para onde deveria correr. Contudo, um dos macacos tomou Aiyra pelas mãos e a guiou até uma árvore nas profundezas da floresta, para lhe salvar dos dentes afiados que desejavam provar um pedacinho de sua carne. Seguindo o primata, Aiyra escalou o tronco espesso e comprido de uma Samaúma...

Solstício Secreto (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora