20. Mágoa

71 10 3
                                    

Cobi, Edward, Loki, Jade e eu, fizemos a pira sobre a superfície de uma rocha achatada, na beira de um penhasco. O local parecia apropriado para realizar nossa despedida, era tão alto que me fazia crer poder tocar as estrelas com a ponta dos dedos.

Olhei adiante, assombrada pelos quilômetros de escuridão que se estendiam abaixo de nós para além da grande rocha, sendo enfeitava pelas copas negras das árvores que, como um oceano, encontravam-se com o céu poente.

A noite havia chegado. Estava fresca, quase fria, e sem nuvens. O vento silvava e agitava as folhas dos grossos galhos atrás de nós, que se posicionavam como uma cerca para proteger nossa simples reunião.

Me dirigi em passos lentos até a pilha de madeira em que Helena foi colocada.

Senti-me grata pela tamanha demonstração de carinho de Jade, ao ter decidido trazê-la até aqui e providenciado tudo o que precisávamos para realizar nosso funeral pitoresco.

Embora nossa caridosa anfitriã tenha afirmado não ser poderosa durante o dia, tive de duvidar quando soube que, usando seu poder, teletransportou o corpo de Helena para sua casa em segundos. Eu ainda não havia entendido completamente cada aspecto de seu poder, mas pelas informações que consegui captar, sabia que não se tratava de apenas um, mas sim de vários.

Loki foi o primeiro a se juntar a mim, dizendo suas palavras de afeto para Helena, onde quer que ela estivesse. Após alguns minutos de murmúrios e lágrimas ele concluiu com a seguinte frase: "descanse em paz, mamãe".

Depois disso, numa fila horizontal, estávamos todos reunidos diante da pira.

O semblante pálido e sem vida que há horas pertencia a minha tia, agora parecia em paz se comparado com o momento de sua morte. Essa pequena conclusão, foi um convite aberto para as memórias que, a partir dali, iriam me aterrorizar por toda a vida.

"Eu não vou ser a única a perder alguém hoje!" — Clara sibilou em meus pensamentos. Em resposta, cerrei os punhos com força, sentindo o ódio inflamar todo o meu corpo. Eu queria ter conseguido alcançá-la a tempo, aquela pedra certamente teria outro destino, em vez do rosto de Helena.

Uma estranha sensação nas mãos chama minha atenção, as ergui para verificar e logo entendi a razão de estarem formigando. Veias negras tornaram a surgir, como se quisessem responder a emoção que estava sentindo com a memória do rosto de Clara.

Cruzei os braços tentando esconder qualquer sinal dessa manifestação.

— Obrigada. — Proferi ao lado de Jade, na tentativa de mudar o rumo dos meus pensamentos. — Se não fosse por você, não poderíamos nem mesmo estar compartilhando esse momento.

— Helena merecia mais do que ser abandonada numa clareira deserta. — Articula ela, seriamente. — Sinto muito por não ter conseguido protegê-la.

Abaixei meu rosto, engolindo em seco.

— Você fez muito por todos nós. — Comento, relembrando sua solução para a situação que ocorrera na clareira. — Sem você, eu também poderia estar morta agora. Me admira existir pessoas tão obcecadas ao ponto de fazer algo assim tão horrível.

— Por mais espantoso que possa ser, pessoas assim são mais comuns do que pensa.

— Como sabe se não voltarão a vir atrás de nós? Você já tinha feito aquilo com outras pessoas?

— Se refere às memórias apagadas?

— Sim.

— Garanto que nunca mais poderão se lembrar de nada sobre suas vidas. — Afirmou confiante. — Criar e remover situações da mente das pessoas é uma forte característica do meu poder. Todos aqueles que seguiam Clara, não se lembrarão nem mesmo do próprio nome.

Solstício Secreto (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora