18. A Maldição

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Minha cabeça doía. A superfície sob ela era áspera e sólida, extremamente desconfortável. Um cheiro de cera e ervas poluíam o meu olfato e uma estranha corrente de ar quente circundava minha pele, me arrancando do meu sono.

Abri os olhos lentamente. A primeira imagem que registrei era a vastidão de um céu com poucas estrelas. Havia fogo por perto. Virei meu rosto a fim de visualizar melhor onde o fogo estava e notei que o calor que me rodeava e o cheiro de cera, provinha de inúmeras velas brancas ao redor do meu corpo. A claridade que emanavam dificultava minha visão, impedindo-me de enxergar onde estava.

Tentei mover meus braços para me apoiar, com o intuito de me erguer, porém, algo impedia qualquer ação que eu tentasse executar. Com um esforço imensurável devido à tontura que ainda sentia, levantei minha cabeça e analisei o que me prendia.

Eram cordas.

O choque me golpeou assim que finalmente, recuperei a última memória, que por sinal, era a mais agoniante, o sorriso malévolo de Clara, enquanto ela me observava apagar. Ela havia nos enganado.

Ainda enfraquecida pelo efeito das drogas que Clara me fez engolir, tentei inútilmente conseguir afrouxar as cordas que prendiam contra a superfície áspera, meus antebraços e barriga, quadril e mãos, e meus tornozelos.

— Oh! Finalmente! — A voz de Clara invade os meus ouvidos. — Bom dia, Kauane, estava ansiosa pelo seu despertar.

Seu rosto surge em meu campo de visão, sendo iluminado pelo fogo nas velas.  Ela estava de pé, com uma listra vermelha pintada horizontalmente sobre os olhos e usando um traje branco de gola rolê e sem mangas. Em seu cabelo havia enfeites de penas presos a fios trançados.

— Onde eu estou? Quero ver Helena!  — Exijo.

— Onde estão seus modos? Eu lhe disse bom dia. — Fala ela com escárnio. — Sua tia está aqui, mas ainda não acordou. 

— O que você quer? — Demando entre os dentes.

— Garanto a você que entenderá nossas intenções em breve.

Nossas intenções

Virei lentamente meu pescoço para a direita, tentando enxergar algo que não fosse o fogo ofuscante. Com esforço fui capaz de distinguir algumas silhuetas a metros de distância. Estavam de pé completamente imóveis. Olhavam na minha direção, como se estivessem aguardando algum evento começar.

Tentei entender o que estava acontecendo através das informações que havia conseguido captar. 1) Haviam pessoas desconhecidas por perto me assistindo; 2) Pelo pouco que consegui visualizar, estávamos em um espaço aberto; 3) Pelo modo como clara estava vestida, parecia algum evento importante.

Era uma cerimônia.

— Me admira Helena ter sido tão tola ao ponto de  trazê-la até mim, depois de todo o trabalho para fugir.— Clara comenta de modo causal. — Mas pensando bem, não é tão surpreendente assim, visto que trabalhei muito para conseguir a confiança dela, dos seus pais e dos amigos deles.

— E por quê se deu tanto a esse trabalho?

— Como não? — Ela solta uma risada ríspida. — Sua mãe, assim como sua avó, eram absurdas! Se intrometeram no que pertencia ao meu povo, e passaram por cima de todos nós para prosseguirem com as pesquisas. Embora isso seja revoltante, não é inédito, a nossa história é carregada de abusos que vocês, descendentes dos invasores de nossas terras vivem cometendo contra nós.

— Então é isso que você quer? — Solto em tom de deboche. — Vingança por minha mãe ter mexido no que era de vocês?

Clara então acha graça, se desatando em gargalhadas como se tivesse ouvido uma boa piada.

Solstício Secreto (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora