A borda da cadeira

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Alguns dias se arrastaram até que chegasse o momento da minha aula favorita. Olga distribuira as notas do teste e me senti nas nuvens ao ver a nota máxima estampada no meu papel. "Você precisa focar nos seus objetivos" pensava enquanto a via caminhar pela sala com um ar de lésbica ainda não descoberta.
Perdoem pelo meu jeito rude de chamá-la "lésbica", talvez fosse um delírio meu achar que ela fosse esperta o suficiente em escolher gostar de mulher, mas aquele andar, com as pernas num movimento viril, me instigavam a imaginar que aqueles passos certos, sem rodeios e rebolados, eram propriedade de nós, lésbicas. E assim, mesmo casada e com filhos, Olga provavelmente pertencia à nossa idolatrada ilha de Lesbos.
"Foque nos seus objetivos, Stella!" - eu tentava, juro que tentava, mas enquanto minha consciência me dava ordens claras para esquecer a maldita, meus olhos a fitavam como um doente à espera do remédio.

O intervalo chegou. Todos saíram às pressas para a cantina, e Olga arrumava as pastas com uma papelada irrelevante para a história.
Fui até a mesa dela, Deborah and Ashley rodeavam por perto, então tentei abordar a mestre com cautela.
- "Professora, podemos conversar depois da aula? Tenho uma dúvida."
- "Pode ser agora. Vamos."
Ok, eu tentei ser discreta mas para ela nada tinha de estranho naquilo. Saímos da sala.
O sofá verde estava vazio, sentamos e eu comecei a vomitar os pensamentos que me tomavam o estômago.
- "Sabe, é muito engraçado eu saber coisas sobre você que não parecem vindas da sua pessoa. Seu jeito não condiz com suas palavras."
Olga me encarava, quase não piscava enquanto me ouvia. Eu, como uma covarde, não conseguia manter meus olhos nos dela, tinha medo de me queimar. E continuei em êxtase e nervoso por ser tão difícil falar o que sentia sem parecer uma psicopata amadora:
- "Eu sei que parece estranho, mas seu jeito me diz várias coisas."
- " E como você vê isso?", perguntava sorrindo.
- " Pelos sentidos. O que vejo, o que ouço. Como você anda, gesticula."
Ela riu. Riu mais pra ela mesma que para mim. Os olhos azuis (ou cinzas) me olhavam de forma imperdoável, como se surpresos pela ousadia que uma aluna se abrira para com ela.
- "Tenho que falar com minha chefe. Cinco minutos. Espere aqui."

Aproveitei o momento para vê-la caminhar e acabei confirmando comigo, baixinho: essa mulher precisa ser lésbica.
Então, num silêncio que se estabelecera, inclinei meu corpo ao lado da salinha em que estavam e tentei escutar tudo que saía de lá.

Depois de alguns assuntos sobre aula, Olga comentou sobre mim: "ela disse que meu jeito não condiz com minha fala", e ria copiosamente. "Você entende o que quer dizer isso?".
Não consegui ouvir o que a senhorinha respondia, se é que o fizera, mas Olga contava o nosso diálogo com certo entusiamo e estranheza, como quem usasse a pobre senhora como um diário a quem pudesse, na suposta inocência, compartilhar um momento tão peculiar.
Então Olga voltou, se sentou e parecia querer ouvir mais sobre si.
- "Desculpa, não quero te assustar..."

- "Você é uma pessoa muito interessante", sorria como se eu fosse uma desequilibrada falando algo extraordinário, "é difícil eu entender tudo o que me disse, mas acho que sei o que quer dizer."
Eu estava exausta. Sentia as veias do pescoço pulsarem, minha boca estava seca mas o que eu queria beber estava inalcançável.

- "Eu gostaria de ter aula particular com você..."

- "Eu não me sinto bem em cobrar por isso; você pode trazer exercícios e dúvidas aqui, tento ajudar."

- "Mas eu não vejo problemas em ter aula extra, é justo, natural. E aqui não temos nem lugar para isso. Seria melhor se pudéssemos ter um lugar apropriado, silencioso." - menti descaradamente pois todos sabem das classes e bibliotecas daquele campus enorme, mas nada seria tão confortável quanto meu apartamento então a mentira valia a pena.

-"Olha, me mande os exercícios e eu tento ver se consigo te ajudar, depois vejo isso."
E aos poucos alguns alunos chegavam, esperando pelas ordens da professora para voltarem à aula.
E a aula retornou.

Olga pegou uma cadeira e a colocou perto da primeira fileira de carteiras. Então continuou a explicação da matéria. Era algo complexo, nomes difíceis, mecanismos e termos novos que me deixavam ansiosa. Eu intercalava entre olhar a apresentação do assunto na tela do celular e olhar a professora explicando sobre.
Enquanto ela falava e gesticulava, tirou um dos calçados e dobrou a perna de modo a descansar o pé descalço na borda da cadeira. Ela parecia uma criança buscando conforto. Achei fantástico e um pouco imoral, mas quem era eu para julgá-la?
O tema foi se encerrando, ela voltou à pose séria de boa moça e foi bem clara em relação ao próximo teste, depois do feriado, dizendo que o novo teste seria "de matar". Engoli a seco todo meu medo que a antiga nota "1" deixara.

Os murmurinhos dos alunos começaram a aumentar, Ashley pediu detalhes do futuro teste e a professora, num gesto atrevido, enquanto explicava, me lançou uma piscadela.

Não sei se alguém percebeu, ou se alguém se importou com aquilo, mas eu fui ao céu e caí ao chão em segundos.
Ter aqueles olhos apontados em minha direção já era um prazer sublime. Eu me deliciava quando nossos olhares se cruzavam e se mantinham, mas uma piscadinha, assim, do nada? Era demais para o meu coração.

O que ela pensa sobre mim? Seria eu uma diversão para ela, ou apenas mais uma aluna?
As perguntas só aumentavam...

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora