S de Stella

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As férias terminaram sem muita novidade.
Confesso que tentei puxar assunto com Olga mas, após uma resposta"seca" dela, desisti.

Bem, tomarei esse capítulo para falar de mim. É sempre difícil se descrever para o outro. É difícil ser imparcial no caminho e não acabar depressivo no final, mas vamos lá...

Cabelos que cobrem as costas por completo, um manto escuro, liso. Os olhos, ao contrário dos de Olga, são submissos. A pupila quase não se nota.

No rosto, nada extraordinário. Meus traços são meio góticos, concisos. Mamãe diz que sou bonita, mas mantenho os pés no chão.
Meu corpo, confesso, reduziu a cada mês desde que saí do Brasil, mas guardo algumas curvas de saudade.

Um defeito? Sou meio petulante, inconveniente. E é aqui que continuamos a história.

Tenho uma prima, cujo nome pouco importa, que costuma vir me visitar. Ela sempre traz coisas do Brasil como forma de me alegrar (ou subornar) e chegaria em breve na cidade.
Eis que, novamente, surgiu a ideia de dar algo para minha querida professora.

Entre todas as opções, optei novamente por chocolate. Você sabe, aquela marca famosa brasileira. O S gigante estampado na sacolinha seria perfeito.

S...

S de Stella.

Bombons diferentes encheriam a sacolinha. Quando minha prima chegou, corri para buscá-la no aeroporto. Agarrei a mala e tive todo o cuidado para nenhum impacto sequer amassar o conteúdo.

Chegamos no apartamento alugado onde ela ficaria.
Ela foi se acomodando enquanto fiquei sentada na beira da cadeira, flertando com a mala. Minha perna começou um movimento frenético, denunciando minha ansiedade.

- "Santo desespero, hein? O chocolate não vai fugir, Stella! Para de drama."

- " Teria como você abrir isso aqui? Eu não tenho o dia todo..." - eu alisava a mala, quase implorando.

Então ela veio, meio contrariada, e abriu.

- "Tá tudo aí, bocó." - ela ria enquanto eu conferia e apalpava bombom por bombom.

- "Você tá precisando voltar pro Brasil né, tá louca até pelo chocolate de lá."

- "É presente..." - enfim colocava de volta os bombons. Todos perfeitos.

- "Ah não! Eu te conheço. Caraca, você e essa mania de flertar pelo estômago... Quer falar sobre isso?"

- "Não." - sentei na cadeira.

- "Como ela é? Onde conheceu ela? Tem Instagram?"

Eu encarei ela com os olhos cerrados. Talvez a petulância fosse algo genético que passara pelas gerações da nossa família...

- "Eu preciso ir, tenho aula hoje à tarde."

- "No domingo?" - ela ria.

- "Todo dia, querida. Preciso ir, nos vemos depois, e obrigada pelo chocolate."

Nos despedimos. Nossa relação sempre foi à base do ódio, mas sempre fomos muito unidas, mesmo que à distância.

Guardei a sacolinha na geladeira; acordei algumas vezes à noite para checar se estava tudo bem com minha nova obsessão.

Segunda-feira chegou.

Passei a manhã toda pensando em como entregar o chocolate. Eu já tinha falhado uma vez, então tentaria ao máximo ser indiferente.

Olga daria aula em outro prédio, então guardei a sacolinha no armário enquanto completava minhas aulas pela manhã.

Foi no horário de almoço que tudo aconteceu.
Saí com o presente dentro da mochila; o tempo estava fresco, sem sol. Eu vestia um jeans surrado, jaqueta e regata branca.

Cheguei onde Olga estava: uma sala similar às outras, porém com alunos. Ela estava terminando a explicação. Quase todos haviam saído, sobrando apenas duas garotas perto de Olga. Eu entrei. Cumprimentei a professora, as alunas responderam.
Olga estava perto de uma mesa que tinha alguns papéis. Ela tentava dar atenção às alunas e a mim, então me aproximei e, dobrando um joelho, apoiei q mochila enquanto tirava o presente. Olga entendeu o que viria logo a seguir então colocou uma das mãos perto da minha, num gesto de me fazer fechar a mochila, interrompendo minha ação. Ela tentava desembaralhar os papéis e a situação. As duas alunas, sem utilidade alguma, estavam lá, paradas tentando fazer parte da conversa.

- "Me entrega amanhã, assim tomamos um chá."

Foi o que recebi. Após fechar a mochila, dei as costas à Olga e saí sem dar tchau. Eu tinha entendido que talvez Olga tivesse sido perspicaz em não receber um presente em frente outras pessoas, ou talvez ela estivesse de dieta, embora não precisasse...
Enfim, eu cobri minhas horas com afazeres da faculdade, deixei os chocolates na geladeira. Dei tempo ao tempo, e repetia para mim que estava tudo certo e o problema não era eu.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora