Plantinhas na janela

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Sexta-feira, antes da aula começar, resolvi invadir o território da professora e rodear a sala onde ela estava. Quando me viu, me cumprimentou e com toda sutileza me convidou para um café.
Entrei na sala dos professores: algumas mesas bagunçadas com papéis, computadores ligados, um sofá disposto num canto, uma mesinha mui charmosa ao lado da porta. Lá se encontravam alguns chocolates, xícaras e pacotinhos de chás, também tinha a máquina de café, cujo aspecto denunciava ser usada várias vezes ao dia. Na janela, algumas plantinhas. Confesso que na bagunça de informações, aquele lugar me pareceu acolhedor.
Logo sentei no sofá, ficando a uns bons três ou quatro metros dela, que sentou ao lado da máquina.
E assim o ato se iniciou: ela dividia a atenção entre o café e o discurso que eu fazia.
"- Eu não me vejo casando, tendo filhos. Adoro crianças mas a maternidade não é para mim."
"- Você fala isso agora, mas os hormônios sempre falam mais alto."
E assim adentramos num assunto de mulher e  direitos e feminismos e filhos e...signos.
- "Quando é seu aniversário?" - perguntei, sem maldade, já planejando um presente.
- "E por que você quer saber?" - ...
Eu a olhava. Ela fugia.
- "E o seu, quando é?"
- "Final de julho" - desconsolada.
- "Ah, leonina... você é uma boa líder então, gosta do comando. E se alguém é fofo, você precisa ser mais ainda né?" - e assim ela foi me decifrando. Ou ofendendo, não sei.
O café estava pronto. Ela obviamente não bebe café, então se serviu um chá. Com alguns docinhos, claro.
- " Você tem irmãos?" - tentei novamente.
Ela me olhou um tanto espantada por tamanha petulância.
- "Tenho. Irmão e irmã. Sou a filha do meio. E você?"
-" Não..."
- "Então é mimada... veja bem, geralmente quem é filho único tem sempre um apego muito forte com os pais, então seria bom você se casar um homem mais velho que te dê estabilidade emocional".
Aquilo doeu na alma. Como assim me casar? E como ela me aconselhava isso, uma quase estranha? E como não era óbvio meu interesse por ela ou desinteresse por outros?
- "Olha, obrigada mas eu não quero casar. Eu não acho necessário nada disso".
- "Seria muito triste viver sozinha..." - Olga pensava enquanto a colherzinha batia nas bordas da xícara na tentativa de misturar o açúcar com o chá.
"- É uma delícia ficar sozinha! Como você viveria com alguém se não suporta sua própria companhia?"
Silêncio.
Entra na sala uma senhorinha, ar britânico, sotaque também. Elas conversam entre si. Olga me apresenta como "uma aluna muito querida, kind girl".
A mulher era a chefe do departamento, muito respeitosa e gentil, e logo saiu da sala com papéis de alunos.
Levantei, peguei a xícara de café e levei até a mesinha a fim de me despedir desse momento lindo que passei nessa sala. Olga se levantou em sincronia com minha chegada à mesinha e de forma animalesca e descontraída passou a mão esquerda em minha cintura, lateralmente, de modo a me impulsionar à ela um abraço, ou semi abraço, em que nossos corpos se tocaram pela metade. Parecia uma valsa desastrosa pós uma noite de farra de um carnaval. Olga apoiou o queixo em meu ombro, e os instantes foram preenchidos por sua risadas de alegria. Eu fiquei como uma besta que não sabe qual rumo tomar, me deixei levar por esse poucos segundos e tentei sorrir para esconder o espanto.
Então o semi abraço se desfez, eu enfim coloquei a xícara na mesa, e fiquei em pé, observando Olga andar pela sala como um cachorro farejando sabe se lá o que. Eu estava num êxtase tão estranho, me sentia invadida e, ao mesmo tempo, contemplada por aquela mulher.
Conversamos mais um pouco e então algumas alunas bateram na porta à procura da minha professora. Olga já voltava a forma elegante e gentil de mulher séria. Saímos e nos despedimos formalmente.

Algum tempo depois eu teria aula com ela, e como esperado eu já estava nervosa e com pensamentos transbordando.
Ela entrou na sala com um bloco de papéis desorganizados na mão. O jaleco que usava estava aberto, assim dava para ver o colo farto que ela possuía. Aquilo mexeu comigo. Os seios dela pareciam lindos embora a camisa os cobrissem por um todo. Ela sentou um bom longe de mim e a aula começou.
Ela explicava, gesticulava, derramava informações.
Eu encarava, paralisada, o colo e pescoço daquela mulher.
Num momento descontraído, ela se aproximou de mim e de algumas colegas, falando de remédios e tranquilizantes.
- "Você poderia me dar um calmante né? Seria um presente de natal" - Disse isso a ela, querendo me destacar das demais ali presentes.
- "Quer mesmo? Espera aí."
Que resposta foi aquela? Esperar o que?
Ela terminou a explicação e saiu. A sala começou com as conversas aleatórias, eu foquei em fazer absolutamente nada.
Ela voltou e do bolso do jaleco tirou um vidrinho de valeriana.
-"Aqui, 10 gotinhas antes de dormir, todo dia. Dissolva em água. Entendeu?"
Eu fiquei em choque. Claro que não tinha entendido nada. Ela dava as instruções de uso daquele líquido como quem atende um enfermo. Eu, mentindo e me sentindo muito exposta, acenei com a cabeça confirmando que entendi tudo sobre o remédio, assim esse momento passaria rápido e eu poderia ir para casa o quanto antes.
Peguei a embalagem (uma gracinha por sinal) e enfiei na bolsa como quem rouba algo muito valioso de um museu parisiense.
Mais alguns minutos de aula e ela comemorou a nevasca que se iniciara. Claro, ela tinha carro; eu choraminguei, seria horrível andar na neve, minhas quedas eram frequentes.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora