Sopa

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O fim de semana foi horrível. Eu tinha que estudar mas a concentração permanecia por alguns minutos e logo me pegava pensando nela. O sorriso, a risada, o olhar... era tudo uma mistura de prazer e caos na minha cabeça. Ela ter mandado mensagem, textos e mais textos na busca de me decifrar, foi um golpe muito baixo.
E enfim a segunda-feira chegou. E com ela, o teste de Olga.
Confesso que desde o início da aula até o término dela, meu coração dava sinais de querer sair do peito, minha boca seca implorava por água, mas a garrafinha que levei tinha sido bebida depois de cinco minutos de aula.
Olga estava linda, cabelo preso, o jaleco meio amassado denunciava a pressa que ela teria saído de casa. Após algumas explicações, ela distribuiu as questões. Fiz todas e fiquei bem aliviada quando acabou. Aos poucos, os alunos iam trazendo as respostas e se despedindo dela. Seria um intervalo e logo após quem quisesse poderia assistir à uma introdução ao novo assunto. Confesso que fiquei, por ela e pela preguiça de ir embora, pois estava nevando muito.
O intervalo chegou e eu me apressei para ir ao encontro dela e quem sabe mais um cafezinho aconteceria. E foi assim mesmo. "Vem cá, vamos tomar café", ela disse.
Na sala estavam a senhora chefe dela e mais um rapaz. Eu corri para meu novo lugar favorito, o sofá de canto, e ela sentou numa cadeira que parecia tão desconfortável, ao lado da máquina de café.
O processo foi o mesmo já conhecido: ela preparava o café, eu me preparava para as respostas. A senhorinha puxou assunto comigo, da minha vida e escolhas, uma fofa; o rapaz parecia um nerd que estava focado no computador, meio irritado talvez. E Olga decidira esquentar uma sopa no microondas que antes não parecia estar lá, de tão escondido.
- "Você quer provar?" - me perguntou enquanto procurava uma colher.
- "Não, obrigada."
- "Tem carne né? Esqueci que é vegetariana... mas em países frios como esse aqui, não dá para ser assim, precisa comer algo que te fortaleça." - ela discursava com maestria aqueles conselhos enquanto se deliciava com a sopa.
- "O que você come, afinal?" - e lá fui eu, destrinchando listas infindas de alimentos, tentando provar que não gostava de carne... bom, talvez da carne dela eu gostasse...
- "Bobagem, você precisa comer ossos, de frangos de fazendas, têm muito vitamina! E doces, você come?" Ela tirou de uma porcelana um chocolate bem pequeno, num embrulho vermelho, e me ofereceu.

Eu recusei, não conseguia digerir nada naquele momento, enfim estava com meu café em mãos, tudo certo. Perguntei:
- "Você come de tudo?"
- "Claro! Como chocolate todo dia..."

Não era possível... ela vivia comentando sobre nutrientes e alimentação saudável com os alunos em aula.
-"E qual o segredo para não engordar?"

Ela fitou a sopa e encheu a boca numa colherada só, voltando os olhos para mim. Eu não aguentei:
-"Ossos?!"

Ela riu, a senhora também, parecia que não ouvira nada antes, mas os "ossos" as fizeram se manifestar.

Olga terminou a sopa como uma jovem da realeza que estava escondida e faminta, e me afirmou:
-"É claro que tenho peso, como você pode ver."
As pernas dela estavam entrelaçadas. Eu podia ver a panturrilha e a coxa, tudo escondido por um jeans. Mas Olga tinha as pernas magras, o corpo num geral era magro, apenas os seios sobressaiam à camisa social.

-"Sim, eu vejo..."

Aqueles dois corpos extras na sala não pareciam se mexer e o tempo não queria parar, então resolvi sair, mas antes deixei a ela bem claro que não tinha traumas de infância.

-"Então você gosta de psicologia?" - perguntei.
- "Sim, eu faço terapia e minha terapeuta diz que muita coisa se justifica pela infância, por traumas que passamos."
- "Achei engraçado você querer descobrir algum trauma que carrego... talvez eu tenho tido muita liberdade na infância e isso possa ser classificado como trauma ne?"
Ela me olhou fundo nos olhos e eu sorri.

Enfim agradeci o café e saí da sala; ela saiu logo após indo em direção à classe. Eu sentia meu corpo inflamar, sentia minha pele queimar, meus braços me traziam uma sensação dormente.
Eu me martirizava por ter esse fascínio por minha professora, ela já tinha uma vida cheia e eu uma aluna, talvez uma aluna qualquer. O que levaria ela a me chamar para aquela sala, a me mandar mensagem querendo saber do meu passado, a preocupação dela com o que eu faço ou deixo de fazer. Essas perguntas ecoavam na minha cabeça. Seria muito café?

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora