Vitamina

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A primeira aula com Olga foi entediante. Ela era muito bonita, claro, mas em certo momento a notícia dela ser mãe me fez recuar nos pensamentos caóticos que eu estava começando a criar. Não pelos filhos, mas por obviamente ela ser casada.
O fim de semana passou, e na segunda de manhã descobri que Olga daria uma aula extra à minha turma. Durante a aula, as explicações eram cortadas por minha tosse que insistia em atrapalhar a professora. Eu usava máscara, o que me deixava mais agoniada e com dificuldade em respirar. No intervalo, com pena ou talvez raiva, ela se aproximou da minha mesa.
"Você está bem, querida?", ela me perguntou, num tom neutro.
"Sim, é só uma alergia." - menti, sem vergonha alguma.
" Você pode ir para casa; na próxima aula me traga um trabalho e ficará tudo bem".
"Não, professora, por favor, não posso perder essas aulas"- e realmente, não podia. Seria um caos em época de exame.
Enfim, ela se afastou e saiu da sala.
Eu estava sentada sozinha, como de costume e falta de amigos.
A sala estava quase vazia, alguns alunos balbuciavam ao fundo.
Olga entrou e veio em minha direção como quem traz um tratado de paz ou a cura de alguma doença.
"Tome, coma isso." - era uma fruta avermelhada, similar a um caqui. "Tem muita vitamina C, vai te fazer bem".
E ao tempo do meu "obrigada", ela colocou a palma em minha testa e deu o veredito: "você está com febre. Vá para casa agora".
E aqui façamos uma pausa para entender o quão idiota eu sou por não ter ido para casa. E mais: por ter esperado a aula acabar e pedir o número de Olga.
Ela me deu o número. E eu naturalmente fui melhorando da tosse ao passar dos dias.
Durante a semana, eu me perguntava o quão gentil aquela mulher tinha sido comigo por me trazer uma fruta, e quão audaciosa por encostar a mão em minha testa na expectativa de adivinhar minha temperatura. Confesso que gostei, e que essa gripe trouxe algumas indagações como essas que me deixaram mais interessada nessa professora.
Sexta-feira chegou, e com ela aquele olhos azuis (ou cinzas?) me deixavam afoita. Eu comecei a me arrumar um pouco mais: passava um tempinho em frente ao espelho todos os dias, treinando como seria me encontrar com ela, quais assuntos poderia iniciar sem parecer uma louca sem noção.
Pois foi nessa sexta que descobri mais um pouco sobre ela.
Durante o intervalo, ela ficou na sala, comigo e mais umas alunas. Nós estávamos sentadas, em fileira, enquanto Olga desfilava em passos lentos à nossa frente.
Falamos sobre a universidade, que Olga agora dava aulas extras ao nosso grupo exclusivamente por receber mais, visto que sua filha mais nova tinha completado um ano e os gastos tinham aumentado.
Também chegamos a falar sobre nutrição. Ela tem um curso sobre dietas e afins, e ficou um tanto chocada ao saber que sou vegetariana há doze anos.
"Também fui vegetariana por muito tempo, mas num país como o Canadá é impossível se manter saudável, você deveria comer carnes, ao menos uma boa sopa de ossos".
E como se não bastasse a petulância, ela perguntou minha idade.
"Vinte e sete, e a sua?"
Então ela analisou alguns pontos à sua frente: olhou-me nos olhos, passando para meus cabelos que escorriam castanhos até minha coxa. E numa resposta automática soltou:
"Você não parece doente, e está muito bem para sua idade aliás"
Eu estava, a esse ponto, seduzida pelo olhar daquela mulher.
"E a sua?" - repetia quase que implorando.
"Por que quer saber? Eu pareço mais velha do que sou."
Dei um sorriso amarelo, minhas colegas riam talvez para esconder a vergonha, e eu nada respondi. Como assim "por que você quer saber"? E essa pergunta ficou me perturbando durante o resto da aula, do dia, do fim de semana, e até hoje, aqui escrevendo, não consigo responder. Afinal, para que saber a idade dela? Importaria? Com certeza não. A idade era um detalhe sem importância visto que eu já estava interessada em Olga.
Naquela semana descobri que ela tem duas filhas, pequenas, um marido e não menos importante: caqui possui muitas vitaminas.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora