Altura

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Passei a semana sofrendo, tanto pela matéria, quanto pela professora. Gastei horas de sono memorizando remédios e prescrições, e enfim, chegou sexta-feira.
Como de costume, o sofá verde me acolheu até a hora do teste. Vi Olga no corredor, com algumas alunas; eram do grupo anterior ao meu e também fariam a prova.
Seguindo o relógio pálido, pendurado na parede em frente ao sofá, peguei minha mochila e fui para a sala.
Sentei logo na primeira fileira; sabia que em seguida Deborah sentaria na ponta, então ficaria difícil me mover. Cada fileira é conectada, limitando a entrada e a saída daqueles que se sentam no meio. Confesso que esse estilo de sala me irrita um pouco, mas Olga fazia tudo ficar borrado, irrelevante quando estava presente.

Após alguns minutos, entre murmurinhos e alunos se ajeitando nas cadeiras, a professora surge ao fundo da classe, descendo as escadas e indo em direção à mesa. Ela, como sempre muito enérgica, tinha no rosto um sorriso e, nas mãos, o teste.
Após olhá-la nos olhos, eis que me atentei à novidade que trouxera.
Os cabelos estavam livres, dispostos em madeixas leves e escuras. Como o comprimento batia parte no queixo, parte no pescoço, era viciante olhar Olga em sua mais nova moldura.
Ela também estava sem o jaleco; uma blusa démodé azul e um xale marrom traziam a seriedade e comodidade de quem não liga muito para estética.
E para completar, a confortável calça jeans e os sapatos sociais. E pronto. Ela estava pronta para me arrancar suspiros e fazer meu coração palpitar.

Uma hora para fazer o teste; ela dividiu as três partes, dando minutinhos de intervalo entre elas.
Como precisava apenas assinalar as respostas, tomei a liberdade de perder uns segundos de cada parte para olhar a professora.
Depois de andar de um lado para o outro, o cansaço venceu. Ela pegou uma cadeira e a trouxe um pouco à minha direita, virando-a de costas para mim. Num movimento um tanto quanto inesperado, Olga abriu as pernas e sentou com a cadeira invertida, assim conseguia apoiar os cotovelos no encosto de estofado aveludado e olhar para todos os alunos, tentando encontrar alguma trapaça.
A máscara tampando parte do meu rosto me salvou do sorriso malicioso que acabei soltando quando vi a cena. Ela emanava um ar selvagem, de liberdade.
Entre questões e olhares, percebi Olga mexendo no celular. E então comecei a ouvir um som, uma voz. Olga estava assistindo a um vídeo, que, pelas palavras que reconheci, era sobre autocontrole, ou autoajuda.
Ela estava relaxada assistindo, as costas arqueadas sem o suporte da cadeira e os braços um pouco cobertos pelo xale acabaram prendendo minha atenção. Perdi a noção de quanto tempo descansei meus olhos em Olga, apenas voltei em mim quando notei os olhos dela me encarando de volta, com um leve sorriso.
Fitei o celular e em seguida a boca; da boca, mirei os olhos verdes. Minhas sobrancelhas levantaram levemente, em sincronia com uma sorriso escondido.
O sorriso de Olga aumentou. Eu havia prendido a atenção dela.
Olhei para minha prova. Como uma caça quase concluída, sem mexer a cabeça, levei os olhos novamente à ela.
Ficamos nesse suposto flerte por uns minutos talvez, até que ela se levantou, parou em frente minha prova e perguntou se eu havia acabado. Eu disse um "não" tão baixo que quase eu mesma não ouvi.
Ela saiu de perto, voltou a perambular pela sala, até que avisou sobre os minutos finais. Eu havia acabado, mas fiquei enrolando para continuar na sala o máximo possível.

Enquanto recolhia as provas, Olga solicitou a alguns alunos que permanecessem na sala, pois ela precisaria de ajuda. Entre os alunos, estava eu, felizmente.
A ajuda era sobre a correção do teste; ela nos mostrou em qual sala deveríamos ir. Era a mesma sala longa, cheia de mesas e cadeiras, na qual tirei minha dúvida sobre questões idiotas.
Sentamos em duplas e trios, cada aluno corrigia parte da prova. Como eram vários grupos, o trabalho foi minucioso.
Íamos corrigindo e Olga, em pé, auxiliava mesa por mesa.
De repente, ela saiu. Voltou tempos depois trazendo chocolates e algumas frutas. Distribuiu para todos os alunos.
Quase no fim das correções, Olga se acomodou num canto de mesa, as mãos apoiadas e as pernas entre cruzadas; estava quase à minha frente.
Então, perguntou:
"- Se eu quisesse trabalhar no Brasil, seria difícil encontrar um emprego?"
Sem pensar muito, respondi que não era difícil, que o país abria portas para todos e e fui tecendo discretos elogios sobre o Brasil enquanto enumerava empregos que ela poderia exercer. Ela parecia ouvir palavra por palavra, mas negava com a cabeça, numa conclusão tola de se intitular "não suficiente" para qualquer trabalho.

Depois de algumas horas, o trabalho enfim acabara. Eram por volta das 18:30, restaram uns 5 alunos na sala, e um por um organizou blocos de provas e colocou lado a lado numa mesa, assim a professora teria apenas o trabalho de passar as notas na caderneta oficial.
E quando ajeitávamos, rodeamos a mesa central. Como em uma ciranda, lado a lado ficamos eu e Olga. Nesse momento, com o propósito de checar nossas alturas, fiz questão de encostar meu ombro no dela, e touché! Ombro à ombro e nossas alturas eram praticamente iguais. 160 cm de altura tomados por tensão ao ficar tão perto daquela mulher. Ela tentou virar o rosto, mas algo a fez cortar a ação, fazendo-a voltar ao foco das provas.

Assim acabou o dia. Ela se despediu de todos, agradecendo a ajuda, e voltei para a casa ao som de Kiss. Eu estava incendiada por dentro. Os olhos, os passos, o cabelo solto... e tirei nota máxima no teste.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora