A igreja

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Sábado de manhã. Ashley me acordou com uma mensagem entusiasmada:

"- Heeey, Stelinha! Vamos sair hoje à noite?"

"- Hum, vamos... "

"- Tem um pub ótimo, meio afastado do centro, mas a gente pega um táxi e vai valer a pena afogar as mágoas da faculdade!!! Hahahah"

Eu não conhecia o lugar mas o endereço parecia indicar uma vala para desovar corpos de estrangeiras que não têm medo do perigo. Esse pub ficava num beco, perto de um hospital pediátrico. O arrependimento bateu assim que aceitei o convite mas me mantive disposta a ter um momento de paz, longe dos pensamentos que Olga me arrancava todo dia.

Eram quase 9 da noite quando Ashley chegou em frente ao meu apartamento. Ela vestia uma jaqueta de couro, jeans escuro, coturnos pretos e o cabelo loiro meio bagunçado deixava ela com um ar despojado. Eu coloquei uma calça de alfaiataria bege, camisa social (amassada) branca, oxford marrom e improvisei um coque, no alto da cabeça. Na mão, chaves e casado de lã. Juntas, parecíamos duas doidas descompensadas. Após cumprimentos e bocejos, pegamos o táxi em direção ao pub.

A rua era pouco iluminada, poucas pessoas caminhavam. Quando saí do táxi e vi o tal lugar, paralisei. Com certeza ali era uma igreja estilo gótico abandonada. Duas paredes se erguiam e afinavam-se tocando o céu. Entre elas, um espaço aberto, com grades antigas.

"- Você é vampira ou o que?", encarei Ashley.
"- Infelizmente não sou não. Minha prima me trouxe aqui uma vez. Ela vem sempre aqui, às vezes sozinha, às vezes acompanhada."
"- Entendi. Sua prima é vampira então."
"- Para de graça, vamos entrar logo, você vai gostar..."

Ao abrir a porta da igreja (ou "pub"), um largo hall de piso branco nos levava a dois elevadores. Na lateral direita, uma placa em cima da porta anunciava o tal pub.

As paredes escuras, sofás de couro vermelho estilo anos 70, lustres grandes que iluminavam a textura craquelada do teto. Um balcão num formato L expunha todo tipo de bebida; ao fundo, num canto, vestígios de instrumentos musicais.
Ashley me conduziu até o meio do lugar, sentamos no tal sofá e então, pude mapear quem estava ali, curtindo no mesmo tom.

Ao som de Pink Floyd, passei os olhos pelo ambiente: além do bartender e de algumas garçonetes, perto de nossa mesa estavam alguns caras bebendo cerveja e conversando alto. Ao fundo, numa meia-luz, duas mulheres sentadas no mesmo estiloso sofá pareciam beber vinho. Embora os rostos me fossem estranhos e borrados, Ashley, na tentativa de descobrir meu foco, seguiu minha direção.

"- Que maravilha! Olivia está aqui! Lembra? Minha prima supostamente vampira... ela vive nesse lugar mesmo, tô chocada."

"- E a mulher com ela, é mãe ou o que?", perguntei.

"- Não, não é da nossa família, mas um dia te conto. Ou melhor: ELA TE CONTA. Uma história bem doida, viu? Essa é um perigo."

"- Ashley, agora você conta né? Começou, então conta."

"- Consegui sua atenção, Stelinha...que milagre. Mas deixa isso quieto, e se você pensar um pouquinho vai entender que aquilo é um encontro, mas não como o nosso. Hahaha"

"- Então pelo menos alguém aqui está se divertindo...", revirei os olhos.

Enfim nos servimos: eu com Martini, Ashley com cerveja. Enquanto a nossa conversa se misturava com faculdade e vida pessoal, eu tentava capturar frames da mesa distante, onde aquelas mulheres estavam. A luz fraca parecia fazer parte daquele plano mundano que Olívia gesticulava. Ambas, uma de frente para a outra, riam numa sincronia gostosa.
Uma, duas, seis doses de Martini e comecei a sentir meu rosto dormente. A visão daquelas duas começou a ficar turva. Ashley conversava comigo mas eu não ouvia o conteúdo, então afirmava com a cabeça e um sorriso contido.
Não demorou muito para Olga invadir meus pensamentos: "se ela fosse diferente talvez seríamos o tal casal à meia-luz...o Martini está fraco, onde deixei meu celular? Por que a gente sofre? Onde está Olga? Quem é a mulher com Olívia? Quero outro Martini. Não, VODCA."

E então , enquanto eu debatia com Ashley sobre minha necessidade de tomar vodca, Olívia e a tal mulher se levantaram. Pareciam se preparar para irem embora.
Ao passarem perto de nossa mesa, tanto Ashley, quanto Olívia, fingiram não se conhecer. A mulher, logo atrás, parecia anestesiada com o vinho (ou com Olívia?).

Não demorou muito para eu estar totalmente entregue aos sintomas de embriaguez; Ashley sugeriu pegarmos um táxi, logo após ter achado um no aplicativo.
Por segurança, ela acabou ficando no meu apartamento e, após tomar banho, fui direto para a cama. Ela dormiu num colchão inflável que a mesma enchera.
Em poucos minutos, apaguei. Apagamos. Eram quase 4 da manhã.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora