Maria

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Em um desses encontros que tive com Olga, no sofá verde, tomei coragem de perguntar sobre a noite do Ano novo, as mensagens que ela me mandou.

- "Então, quem é Maria? Você comentou sobre ela em uma das mensagens..."
- "É minha filha, a mais velha. Ela gosta de mandar emojis, e como nossa conversa estava aberta, ela o fez."
- "Qual a idade dela?"
- "Maria tem 4 anos; Ana, 1 e meio."
- " Entendi... lindos nomes, clássicos..."
- " Queria ter dado nomes compostos a cada uma. Stella é um nome bonito, Sarah também; mas foi melhor colocar um nome simples, assim não teria problemas aqui ou na Rússia."

Enfim aquilo se fechara. Achei fofo ter me "comunicado" com a criança, mesmo que por emojis.
Imaginei Olga ao lado das filhas, compartilhando o celular, com minha conversa aberta. Imaginei também ela sendo mãe, como devia ser difícil se manter estável. Talvez aquele sentimento de não querer existir agora fizesse mais sentido.

As semanas se passaram, alguns testes também. Faltavam cinco para fechar o semestre, isso incluía o teste de Olga.
Num domingo, faltando uma semana para o teste dela, resolvi mandar mensagem perguntando se ela estaria disponível no dia seguinte, assim eu poderia tirar algumas dúvidas.
[08:40] - "Infelizmente amanhã é um teste, estarei na sala. Receio que amanhã haverá muitos alunos que também querem repetir o primeiro e o segundo teste."
Pronto, o primeiro corte já tinha levado. Logo de manhã.
Às 17:30 novamente me dispus a mandar mensagem, já perguntando sobre a matéria. Ela me respondeu, e, nesse Ping-pong, a conversa rendeu até 22:26.

Terça-feira, mais dúvidas surgiram...

[16:06] - "Desculpa incomodar novamente, mas (blá blá blá sobre a matéria).
E entre as respostas dela, eis que recebo algumas palavras em russo, misturadas com inglês.

- "Okay, obrigada." - retruquei, escrevendo no mais puro português.

- "Eu gosto de aprender novas línguas." - ela disse, dessa vez tudo em inglês.

- "Oh verdade? Então decore essa palavra: Lindíssima. É isso que você é."

Sem resposta.

Na quinta-feira, ela estava no prédio. Imprimi algumas folhas com questões e saí em busca da amada.
Fui até a salinha do café, mas ela não estava lá. Apenas vi a chefe, aquela senhora gentil. Perguntei à ela e então me guiou até outra sala, bateu na porta e abriu. Olga estava lá, em frente à tela do computador. Agradeci à chefe, e adentrei a sala.

Era uma sala estreita, mas longa. Tinham várias mesas dispostas às paredes, com uma cadeira em cada.
Ao fundo, de costas para a janela que preenchia a parede toda, estava Olga.

- "O que aconteceu?"- levantou os olhos e me encarou.
- "Nada, mas soube que seu teste terá três partes. É verdade?"
- "Sim. Você pode pegar as respostas com os alunos que já passaram. Deixa eu ver quem pode ter as respostas." - ela mexia num papel, ao lado do mouse. Essa insinuação dela veio de forma dramática, irritante. Ela vomitava sarcasmo.
- "Não vim pedir as respostas. Não quero. Vim te mostrar alguns exercícios que tenho dúvida!" - fiquei um tanto impressionada com a arrogância que ela mexia no papel e me intitulava uma "trapaceira".

Abri a mochila, tirei duas folhas dobradas e as alisei em cima da mesa antes de entregá-las à professora.
Ela então começou a ler. Rabiscou algumas alternativas e com toda a certeza exclamou: "cada questão fácil, qualquer idiota consegue resolver".
Eu estava em pé, ao lado dela que estava sentada, em frente ao computador. Me ajoelhei e perguntei se ela tinha me chamado de idiota... ela riu, disse que aquelas questões eram fáceis.

Peguei meu celular e fui encontrar o gabarito das questões "fáceis". Achei. Duas respostas que Olga assinalara estavam erradas. Ao mostrar o erro, coloquei uma mão na cintura e fiquei olhando, esperando a reação dela ao saber.
Ela ficou os olhos no papel, examinando cada palavra, dando um sorriso meio envergonhado.
"Essas questões não são idiotas", soltou enquanto apertava a ponta da caneta, cortando o silêncio com clicks descompassados.

Após a correção, levantei e peguei as folhas, agradecendo pela ajuda. Ela veio atrás de mim.
Parei para guardar os papéis e enquanto ela se apoiava numa mesa próxima, perguntei:
- "E então, memorizou a palavra que te mandei?"
Agora Olga fixava os olhos em minha bolsa; fez questão de não mudar o foco, apenas mexeu a cabeça num discreto "sim".
- "Então me fala; pronuncie essa palavra para eu ouvir." - tentei, em vão.
- "Talvez na sexta-feira; veremos." - As bochechas haviam levantado um rosa pêssego, dando um charme vitoriano no rosto dela.

Saí da sala sem olhar para trás; acabei ousando muito em chamá-la "lindíssima", mas era verdade e, de certa forma, acho que um elogio sincero não poderia ofendê-la. Só me restava esperar pela sexta-feira.

Com açúcar, com afetoOnde histórias criam vida. Descubra agora