O fim de semana foi horrível. Eu tinha que estudar mas a concentração permanecia por alguns minutos e logo me pegava pensando nela. O sorriso, a risada, o olhar... era tudo uma mistura de prazer e caos na minha cabeça. Era hora de tomar iniciativa e tentar descobrir algo sólido sobre Olga.
Passei a manhã de domingo limpando meu apartamento. Ao início da noite, por volta das 8, enchi a banheira; 8:15 a garrafa de vinho estava aberta.
Terça-feira me encontraria com ela. Precisaria de um motivo plausível para levá-la, ou ser levada, até a sala dos professores. Talvez algumas questões para pedir ajuda? E se eu fingisse um desmaio? Desatasse a chorar... Eram tantas opções que uma garrafa de vinho não foi o suficiente.
Após o banho, nos primeiros sinais de embriaguez, me vi deitada na cama, enrolada na toalha encharcada. Os cabelos molhados colados no travesseiro seriam um problema a ser resolvido no futuro.
Na manhã de terça, procurei por Olga em todos os intervalos mas não a vi. Vasculhei todos os cantos, revirei o sofá, farejei o ar, e nada de Olga. Voltei para casa no sentimento de mais puro fracasso, impotência. E assim seguiu a semana: não a vi. Minha aula com ela foi cancelada e ninguém explicara o motivo.
No segundo fim de semana parecia que ainda estava no primeiro: vinho, vinho e banheira, vinho e choro, vinho e pensamentos, vinho e embriaguez.Segunda-feira, enquanto me arrumava para o tédio, recebi uma mensagem dela.
[7:33] - "Oi. Como você está?"
[7:33] - "Estou bem. E você?"
[7:39] - "Venha até minha sala hoje, por favor."
Depois dessas mensagens, desarrumei o que estava arrumado: troquei as botas, a calça, o casaco. A lã bege, de gola rolê, permaneceu. Olhei minha face no espelho e tentei corar as bochechas com blush pêssego. Os lábios secos me traziam uma sensação de doente mas mantive-os assim.
Olhei novamente para o celular e nenhuma mensagem. De repente, ouço leves estilhaços na janela. Abro as cortinas e vejo que uma garoa estava pronta para me molhar.
"Cadê meu guarda-chuva?", revirei praticamente tudo e não encontrei proteção. "Dane-se, vou assim".
Cheguei na portaria, vi a enxurrada lamber a calçada; o guarda olhou minhas mãos: "Não vai dar não hein...".
Revirei os olhos e, depois de longos minutos, encontrei um táxi. No caminho, tentei adivinhar o que Olga queria: talvez fosse me envolver nos braços e sussurrar verbos indecentes, ou quem sabe não estaria me esperando com rosas vermelhas, vestindo o jaleco e nada mais...
Enquanto imaginava, umedecia os lábios na esperança de melhorá-los. Em vão. Cheguei no prédio e fui até o armário. O pouco de chuva que peguei irritou um pouco meu cabelo; troquei de calçado, vesti meu jaleco e segui até a salinha.A porta estava entreaberta. À medida que me aproximava, meus passos iam se silenciando num andar lento e quiçá doloroso. Quando entrei, vi Olga sentada em frente à mesa do computador. Sem mover a cabeça, olhou em minha direção e tentou abrir um sorriso cordial.
- "Como passou a semana?" , voltou os olhos para o computador.
- "Bem...", me aproximei onde ela estava. Fiquei ao lado e perguntei o que ela precisava, como poderia ajudá-la.
- "Veja, eu tenho alguns documentos que precisam ser revisados, mas não tenho tempo, estou com muitas aulas e minha vida está uma bagunça. Você poderia me ajudar com isso? Eu posso te pag...
- "Ajudo."
Foi só o que respondi. A obviedade da minha resposta foi tanta que Olga enfim riu. Riu porque sabia que eu aceitaria. Riu porque eu não vi sequer quais documentos eram.
- "Vou te mandar o arquivo. Não tenha pressa e, se precisar, me chame. Muito obrigada."
O azul dos olhos de Olga adentraram na escuridão dos meus. Deixei-me invadir pela delícia de receber aqueles olhos em mim. Tentei dispersar o foco mas me acomodei nos olhos dela.
Ela sugeriu que tomássemos chá; numa passada rápida pelo relógio pendurado vi que eu estava prestes a me atrasar para aula.- "Desculpa, preciso ir..."
- "Tudo bem. Novamente, obrigada. E me escreva se precisar."
Concordei com um balançar suave da cabeça e um sorriso raso.
Durante a aula, recebi o tal documento. Era algo banal e parecia relativamente fácil. Em seguida, recebi outra mensagem:
" - Você precisa hidratar os lábios ou no inverno irá piorar."
E me sugeriu um hidratante. Mandou a foto do produto e onde encontrá-lo.
"Que audácia!", pensei, "ela me sugeriu algo que eu nem pedi, ficou bisbilhotando meus lábios?
É... ela reparou nos meus lábios."Então as aulas do dia terminaram. A chuva deu espaço ao sol, fraco no horizonte. Fui até à farmácia e comprei o bendito produto. Mal passei pela porta e já o usei. O cheiro de cereja não me deu outra escolha se não a de lamber e retirar o que usara.
"Isso não vai dar certo."
Voltei e comprei mais dois. "Agora sim".
Ao lado do apartamento, tem um mercadinho. Lá é tudo assim, inho mesmo. As prateleiras exibiam uns produtos de qualidade duvidosa, mas num cantinho especial, eu me esbaldava em biscoitos artesanais. Dessa vez, coco e nozes foi o sabor escolhido.
Chegando no apartamento, preparei o chá de melissa e sentei na cadeira para relembrar os detalhes do dia.Peguei o celular, fui até a conversa de Olga, esperei um tempo, matutei a ideia:
[18:37] "Oi, como está?
Recebi o documento, começarei hoje à noite."[18:38] "Estou bem. Ok, obrigada. Boa noite."
Novamente preparei um chá, sentei na cama me cobrindo e apoiando o computador no colo. Queria acabar aquilo o quanto antes mas, ao mesmo tempo, precisaria enrolar o suficiente para ter alguma conversa com Olga.
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Com açúcar, com afeto
RomanceApaixonar-se por uma professora. Um clichê. Uma dor imensurável de se saber que o impossível só aconteceria no imaginário de uma jovem estudante; Afinal, qual o limite do desejo? A história de uma aluna, no quarto período de Bioquímica numa faculda...