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RAEL

Meu pai morreu quando eu tinha 10 anos.

Foi uma perda muito difícil pra mim porque nós dois éramos inseparáveis, melhores amigos, de verdade. Eu, ele e minha mãe formávamos uma família muito feliz, com seus problemas, sim, mas muito feliz. Quando papai morreu, minha mãe foi muito forte, ou pelo menos se esforçava para parecer forte. Eu conseguia ouvi-la chorando tarde da noite, quando pensava que eu já tinha dormido. E no outro dia, eu notava seus olhos inchados, mesmo que ela sorrisse pra mim. Eu sei que por mais que eu estivesse sofrendo, nada era comparável ao sofrimento dela.

Mamãe e papai eram almas gêmeas, amigos desde a infância e melhores amigos na adolescência, foi muito natural quando se interessaram um pelo outro e decidiram ficar juntos de vez. Se casaram novos e viveram cinco belos anos de lua-de-mel antes de decidirem ter um filho. Eu fui muito desejado, muito amado pelos dois, desde a barriga. Mamãe diz que por isso que nossa conexão, de nós três, era tão forte. Depois que papai morreu, ficamos só eu e minha mãe e também foi muito natural que minha conexão com ela aumentasse drasticamente já que... Bem, já que agora éramos apenas nós dois.

Quando completei 13 anos, descobri que era gay. Aliás, não descobri. Esse tipo de coisa não se descobre. Eu já sentia, já sabia. Mas só nessa idade tive coragem de assumir isso pra mim mesmo e pra minha mãe, que claro, também já sabia. Nossa amizade de mãe e filho, que agora, mais do que nunca, era inabalável, foi crucial pra minha felicidade nesse momento. Enquanto tantos outros só sentem medo da rejeição, minha mãe me aceitou, me acolheu e me mostrou que sempre estaria comigo.

Eu sempre senti muita falta do meu pai, o vazio que ele deixou em mim, na nossa família, na nossa casa nunca foi preenchido. Eu sabia que esse vazio iria durar pra sempre. Mas seguimos nossas vidas, eu e mamãe. Quando eu entrei no ensino médio, consegui um intercâmbio para Amsterdã, onde morei por três anos, onde completei o high school. Foi uma fase muito difícil para mim e para minha mãe, nunca tínhamos passado tanto tempo distantes, mas a família que me acolheu logo fez amizade com a mamãe e conseguimos realizar esse momento tão importante para mim e para meu futuro com muito louvor.

Quando eu estava lá, sabia que mamãe estava seguindo sua vida ainda mais do que antes, já que agora ela era uma mulher mais livre, sem um filho por perto o tempo todo. E eu estava muito feliz com isso, já faziam muitos anos desde a morte do papai, nós dois superamos e eu sabia que ela estava bem. Ela me contava dos homens que conhecia, dos amigos que fazia e eu torcia muito para que minha mãe conseguisse achar outra pessoa para viver ao lado dela, mas não pude deixar de me surpreender quando, de fato, ela me falou que estava seriamente com alguém.

Isso foi alguns meses antes de eu voltar de Amsterdã.

E quando voltei, soube do casamento.

***

Minha mãe e eu passamos muito tempo conversando, e admito, eu não fui muito receptivo às suas novidades. Eu estava achando tudo muito rápido. Ok, ela conheceu esse cara há alguns meses, estavam namorando já há algum tempo... Mas, casar? Já?

- Mãe, você tem certeza disso? Quer dizer, eu nem conheço esse cara! - falei, sentado de frente para ela no sofá da nossa casa.

- Mas vai conhecer! Ai Rael, você vai adorar ele! Inclusive você vai conhecê-lo amanhã. Ele vem aqui em casa para jantarmos. – ela falou, com os olhos brilhando.

Cocei a cabeça, um pouco deslocado com essa situação. Mas só de olhar pra minha mãe, dava para ver que ela estava quase explodindo de felicidade. Há muito tempo eu não a via assim. Suspirei.

- Está bem então. Se você está feliz, eu também estou. - ela me deu um abraço de urso típico dela e eu me senti um pouco menos tenso.

- Tenho certeza que vocês vão se dar muito bem. Ele tem um filho da sua idade, sabia?  Ele vai vir aqui com o Murilo pra te conhecer também. Então acho que vocês três vão ter muita coisa em comum.

- Tomara. - falei, sem muita empolgação.

- Por falar em rapazes da sua idade... - ela escorregou no sofá até grudar em mim. - Quando é que você vai me apresentar seu namorado?

- Eu não tenho namorado, mãe. - falei, revirando os olhos. 

- Mas e aquele último com quem você estava saindo lá em Amsterdã? Olivier o nome dele? Eu achei que vocês estivessem se dando bem....

- E nós estávamos, mas nenhum de nós acredita muito em relacionamento à distância. E, infelizmente, a gente só se conheceu agora, muito perto de eu voltar pra cá.

- Ah... - ela falou, triste. - Eu tinha gostado tanto dele....

- É, porque EU, diferente de VOCÊ, tive o cuidado de apresentar vocês mesmo de longe. - alfinetei.

- Raeeeeel, mas você já estava voltando pro Brasil, eu queria que vocês se conhecessem pessoalmente.

- Tá bom, tá bom. - falei rindo. Olhei pra ela com cuidado, antes de dizer o que eu queria dizer. - Mãe, ele te trata bem mesmo? Tipo, ele te trata como o papai?

Ela me olhou com um sorriso um pouco triste, um pouco cansado.

- Não, filho. Acho que nenhum outro homem nessa Terra me trataria como seu pai me tratava. Ele sempre foi um príncipe comigo, desde o nosso namoro, e isso nunca mudou. Nem quando nos casamos, nem quando você nasceu. Eu nunca mais vou achar outro homem como ele. - ela segurou minhas mãos, gentilmente. - Eu sei que você se preocupa com isso e que seu pai sempre vai ser seu exemplo de homem pra mim. Mas acredite quando eu digo que o Murilo também é bom pra mim, mas do jeito dele. Sabe, depois de ter vivido com o seu pai, eu nunca aceitaria menos do que ele me deu. Você pode ficar despreocupado quanto a isso.

- Eu sei, você sempre foi muito exigente com o papai e com os homens que vieram depois dele. Tanto é que nenhum bastou pra você.... Até agora. Ele deve ser um ótimo cara mesmo.

- Ele é, você vai ver. E Rael... - ela apertou minha mão e me olhou com carinho. - Você sabe que nada e nem ninguém nunca vai substituir seu pai nas nossas vidas, não é? - eu assenti com a cabeça. - Seu pai sempre vai ter o mesmo espaço que sempre teve no meu coração, na minha vida. Ele me deu você. - ela fez carinho no meu rosto. - E isso sempre vai ser o melhor presente que ele deixou pra mim. Ele sempre vai ser o amor da minha vida, mas... Eu não quero mais ficar sozinha. Eu quero me dar a chance de conhecer outro amor.

Olhei pra ela com muito carinho. Eu nunca disse pra minha mãe nada do que eu pensava dos seus namorados, do que eu pensava do nosso futuro com outro homem nas nossas vidas. Eu nunca citei o papai quando ela me contava desses relacionamentos dela. Mas ela sabia. Ela sempre sabe tudo que eu estou pensando.

- Você merece ser muito feliz. - falei, segurando suas duas mãos. - E eu fico muito feliz que você esteja se abrindo de novo. Sinto ciúmes? Sinto, claro. - ela riu. - Mas você também sente de mim, então tudo bem.

Enxuguei uma lágrima que estava na pontinha dos cílios dela. Ela sempre ficava muito sensível quando falava do papai.

- Eu prometo que vou ser ótimo com o seu namorado. E também vou estar aberto ao seu relacionamento com ele. E também vou ser ótimo para meu irmãozinho. - falei, fazendo aspas com os dedos, e ela riu. - Olha só, eu nunca tive um irmão e agora eu tenho! - falei, fingindo entusiasmo.

- Rael! - ela me deu um tapinha, mas eu sabia que ela estava brincando.

Eu ainda estava com os dois pés atrás nessa situação, mas eu tinha que assumir.

Nós dois estávamos precisando começar de novo.

AfterglowOnde histórias criam vida. Descubra agora