I Did Something Bad

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Rael

Existe um ditado antigo, eu não sei bem de que cultura, mas que diz mais ou menos assim:

"Quando tudo estiver dando muito certo na sua vida, se prepare, algo vai dar muito errado também."

Não é exatamente uma regra que a gente deve levar pra vida, é apenas uma frase que consegue me manter em alerta. Eu não sou do tipo ansioso, que quando está tudo bem, fico paranóico esperando o que é que vai dar errado, não é bem isso. 

Mas faz bem se manter desperto, alerta e, principalmente, cauteloso. Porque quando você baixa a guarda, quando você está tão feliz e realizado que esquece de prestar atenção à outras coisas, você é pego de surpresa. Foi o que aconteceu comigo. Aliás, com a gente.

Desde que comecei a namorar o Otto, eu sentia que eu vinha mudando aos poucos, em certos momentos nem me reconhecia mais. Nada muito preocupante, alguns até diriam que era uma mudança boa.

O cara extremamente cuidadoso e preocupado estava tendo muitos momentos onde simplesmente esquecia de ser cuidadoso e preocupado. Otto fazia isso comigo. Ele conseguia me levar pra outra dimensão, ele me fazia esquecer os problemas, me fazia sentir como se eu estivesse pisando em nuvens. 

Tudo nele me fazia sentir assim. 

O jeito que ele me olhava, que falava comigo, que me tocava, me beijava. O cheiro dele, o toque da sua pele e o sabor da sua boca. Até a forma que a gente discutia (e fazia as pazes depois) era boa. Nós dois juntos era tão certo que muitas vezes eu me esquecia de prestar atenção às coisas ao nosso redor.

Não que eu estivesse me tornando outra pessoa, não era isso. Na verdade, estar com Otto me fazia ser muito mais eu, pois ele aceitava cada detalhe meu, mesmo os que ele não gostava. Mas é que quando eu estava com ele eu me sentia tão livre, tão pleno, tão realizado, que o resto do mundo simplesmente sumia. Então, eu não precisava prestar atenção em outras coisas, se essas coisas não existiam, certo?

Nosso relacionamento,  que já era muito bom, se transformou depois do dia em que ele se declarou e disse que me amava. Eu já sabia antes mesmo de ele falar, Otto não é nada sutil em absolutamente nada na vida dele, muito menos sobre seus sentimentos. Eu já sabia há algum tempo sobre o amor que ele sentia por mim, mesmo nosso namoro sendo recente. E eu sabia que também amava ele, muito. 

Eu tinha percebido com muita facilidade que o que eu sentia por ele era muito mais intenso e muito maior do que qualquer coisa que eu tinha sentido pelo Oliver ou pelo Enzo, ou por qualquer outra pessoa por quem eu já tinha me apaixonado nessa vida. Em pouco tempo, o que eu já sentia pelo Otto era tão grande dentro de mim que me sufocava, que tornava cada vez mais difícil até disfarçar quando a gente ia pra casa dos nossos pais. Eu estava planejando ser honesto com ele sobre o que eu sentia, mesmo cheio de dúvidas em relação ao tempo, se eu estava sendo muito emocionado, atropelando as coisas. Eu ia contar.

Eu só não imaginava que ele faria primeiro. E muito menos daquele jeito.

Eu me assustei muito com aquela crise de ansiedade dele, de verdade. Eu jamais pensaria que sairia uma declaração dali, muito menos a confissão que veio depois, sobre a mãe dele.

Depois que ele se acalmou (e eu também), a gente se deitou juntinho e ele chorou.

Eu sei que a falta que ele sente da mãe dele é gigantesca, Otto nunca escondeu isso de ninguém. Ele era praticamente uma criança quando perdeu ela, e embora eu fosse mais novo do que ele quando perdi meu pai, não tem comparação. Se eu perdesse minha mãe HOJE, quase adulto, eu sei que seria insuperável, me quebraria em milhões de pedaços. Imagina então, no começo da adolescência? Passar por toda aquela fase terrível sem sua mãe do lado? Aliás, sem toda a sua família, que foi quebrada e separada depois dessa morte? Ele ainda sofria muito. Eu só não sabia que era algo tão profundo a ponto de ele nunca mais ter falado que amava ninguém.

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