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OTTO

Eu precisava fazer aquela viagem.

Cheguei ao ápice de estresse naquele ano. Quer dizer, eu havia chegado há muito tempo, mas naquele ano... Ah, naquele ano todas as coisas que tinham acontecido aconteceram justamente para que eu explodisse.

Eu nunca fui alguém com pouca paciência, ou com personalidade explosiva, mas acabei me tornando assim depois que minha mãe morreu. Minha mãe era uma pessoa tão boa, tão carinhosa, tão amável que não tinha como não ser assim também sendo criado por ela. Meu pai, por outro lado, nunca fora tão atencioso. Claro, ele cuidava da família e fazia de tudo por nós, mas não era muito afetivo devido a sua criação, mas o amor da mamãe era suficiente para todos. Minha irmã, Olívia, havia puxado a personalidade do papai. Ela também era toda forte, durona, mas mesmo ela, com toda essa rigidez, não conseguiu lidar com a morte da mamãe, e assim que conseguiu, se mudou para outro país e decidiu fazer a vida dela por lá.

Eu fiquei. Fiquei por muitos motivos, um deles foi o fato de não conseguir abandonar o nosso pai. Como eu disse, o amor da mamãe era quem mantinha a família unida e o casamento deles também, então quando ela se foi, meu pai desmoronou. Ele podia não ser o cara mais carinhoso do mundo, mas ele amava muito a mamãe, então foi muito claro como ele se sentiu sozinho, vazio, incompleto depois da morte dela.

Minha mãe não foi a exceção da regra que diz que os bons morrem cedo. Ela, que sempre foi um ser humano de luz, tão bom que todos ao redor a amavam, acabou desenvolvendo um câncer de mama aos 40 anos, e mesmo com toda luta dela e da família, não conseguiu resistir. Minha mãe morreu muito jovem e deixou dois filhos mais jovens ainda, eu com 14 anos e minha irmã com 18. Olívia não soube lidar com a morte da nossa mãe, e apenas alguns meses depois foi morar em outro país com o namorado. Eu e papai conseguimos continuar nossas vidas do jeito que dava, foi muito difícil, mas nós tínhamos um ao outro.

Meu pai teve um período de depressão, mas por mim, ele lutou bastante para sair disso, eu era apenas um garoto de 15 anos sem mãe, precisava de um pai e ele tentou ser o melhor que pôde.

Nossa vida perdeu muito do amor que tínhamos antes com a mamãe, e por mais que eu e papai tenhamos ficado mais próximos para superar tudo, nunca mais fomos os mesmos. Eu nunca mais fui o mesmo. A morte da mamãe deixou um espaço em branco nas nossas vidas, um buraco, um vazio que doía terrivelmente.

Quando papai conheceu a Patrícia, eu notei que algo tinha mudado. Foi a primeira mulher para quem meu pai abriu espaço em sua vida. Ela parecia incrível, o tipo de mulher maravilhosa para o meu pai.

Mas não pra mim.

Quando eu soube que meu pai estava namorando sério com ela, não sei, algo dentro de mim se quebrou. Eu sei, eu sei que eu podia estar sendo infantil e até imaturo, mas tudo começou a desandar desde aí porque eu sentia como se ele estivesse querendo apagar a mamãe das nossas vidas. Apenas quatro anos se passaram desde a partida da mamãe e ele já estava superando? Já estava se relacionando novamente? Eu não conseguia aceitar.

Foi quando fiquei mais instável, irritado, só de ouvir falar da Patrícia já sentia raiva, vontade de brigar. E nós brigamos, eu e meu pai. Brigamos muitas vezes. Fiquei explosivo, temperamental, incompreensivo. Se por um lado eu via a melhora do meu pai por ter a Patrícia com ele, por outro eu simplesmente não conseguia aceitá-la, não conseguia admitir que papai simplesmente substituísse a mamãe nas nossas vidas, na nossa casa.

A Patrícia tentou ser incrível comigo também, mas o espaço em branco que ainda havia no meu coração só aumentava e a mágoa do meu pai também.

Então eles decidiram casar. Foi um baque maior do que saber da relação deles, as brigas entre meu pai e eu pioraram. Foi da Patrícia a ideia da terapia, e não vou mentir, fiquei aliviado de começar um tratamento porque eu também não estava conseguindo lidar comigo, com minhas emoções, com tanta raiva. Eu mudei com a terapia, passei a aceitar mais a ideia do casamento, consegui abrir um espaço na minha vida para a Patrícia, que de fato era uma pessoa maravilhosa, consegui passar no vestibular para a faculdade que eu queria, no curso que eu queria... Eu não estava bem, mas estava melhor.

Foi quando eu soube do Rael.

Quer dizer, eu já sabia sobre o filho da Patrícia, que como eu, também era órfão, porém de pai. Eu sabia mais ou menos sobre a vida dele, sabia que fazia intercâmbio em outro país e que era o melhor amigo da mãe. Mas então eu soube que ele estava voltando e que faria parte da nossa família.

Eu, o papai, a Patrícia e ele. Foi demais pra mim.

Mesmo com a terapia, eu sentia que tudo estava mudando muito depressa, eu não tinha ninguém de confiança na família para conversar, Olívia estava fazendo a vida dela em outro lugar, minha mãe já não estava mais aqui e eu me sentia tão... Sufocado. Senti que o espaço em branco estava ficando cada vez maior e eu estava novamente piorando. Então decidi viajar.

Decidimos juntos, eu e minha terapeuta. Eu precisava focar na faculdade, as mudanças só iriam aumentar quando eu fosse morar no campus e meu pai casando com a nova mulher... Eu não queria piorar novamente. Então conversei com meu melhor amigo, Eduardo e nós decidimos fazer um mochilão pelo país durante o mês anterior ao início da faculdade.

Essa viagem mudou tudo. Eu realmente senti que estava melhorando, estava sendo... eu mesmo novamente. Tenho sorte de ter o Edu comigo desde criança, ele sempre me conheceu e sabia exatamente como me ajudar e era só isso que ele estava fazendo nessa viagem. Me ajudando. Mas a faculdade ia começar na semana seguinte e nós precisávamos voltar. Conversei com o papai sobre a minha volta, ele resolveu pra mim sobre o dormitório do campus e me falou um pouco mais sobre o Rael, que também parecia uma ótima pessoa, como a mãe.

Quando eu cheguei em casa, não tinha ninguém. Eu achei até bom, pois precisava de um momento para me acalmar, me preparar para lidar com tudo. O Edu quis ficar comigo até o papai chegar de onde estava, mas ele também precisava ir pra casa e resolver algumas coisas da faculdade, então eu o dispensei.

Quando fiquei totalmente sozinho, subi para o meu quarto, abri os álbuns de fotos da família e conversei com a minha mãe. Conversei sobre tudo com ela e pedi muita força pra lidar com tudo que estava por vir sem surtar. Eu sabia que a minha família estava totalmente mudada e meu pai estava feliz e eu não podia mais ir contra isso. Eu também precisava superar. Eu sabia que o espaço em branco dentro de mim nunca mais ia ser preenchido, mas eu precisava seguir em frente.

Precisava continuar. Pelo papai, pela mamãe e, principalmente, por mim.

Então escutei o carro estacionando na garagem e desci logo para receber o papai e sua nova família.

- Até que fim, vocês chegaram! Já faz um milhão de anos que estou aqui esperando! – eu falei, abrindo meu maior sorriso.

Papai deu uma gargalhada.

- Filho! – e correu pra me abraçar.

Patrícia entrou em casa logo depois dele, também sorrindo pra mim.

E um garoto entrou atrás.

Rael.

Ele.

AfterglowOnde histórias criam vida. Descubra agora