Gorgeous

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Rael

Como eu posso explicar a sensação que tive quando olhei pra Otto a primeira vez? Ele tinha cara de problema. Sabe aquelas pessoas que de longe você consegue perceber que têm uma energia caótica? Então, ele era uma dessas pessoas. Eu já tinha visto fotos do Otto pela casa, mas em todas ele era apenas uma criança. Nos porta-retratos das prateleiras da sala, ele sempre estava com a mãe, o pai e a irmã, em algumas ele estava só com a mãe ou só com o pai. Dava para perceber o crescimento dele e da irmã através das várias fotos, mas em nenhuma parecia que ele tinha mais de 10 anos. Lembro de perguntar à mamãe porque não tinha mais fotos dele adolescente ou já adulto, ela me disse que não sabia também.

Então, esse rapaz que eu estava vendo na minha frente era um estranho pois não se parecia em nada com a criança das fotos. Ele obviamente era mais alto do que eu, além de mais forte. Eu não era um fracote também, mas dava pra perceber que ele tinha o tipo físico de quem treinava.
Na verdade, ele era muito diferente de mim. Otto tinha o cabelo castanho médio, nem muito claro, nem muito escuro, em um corte meio militar, porém mais longo na parte de cima. Sua pele era clara, mas não muito, e seus olhos eram da cor do mel, ligeiramente puxados nos cantinhos. Percebi que ele era muito mais parecido com sua falecida mãe do que com o pai.

Eu, por outro lado, tinha o cabelo escuro e mais volumoso, com alguns cachos soltos, pele com um tom mais moreno e olhos amendoados e escuros.

Ele me olhou por um momento e arqueou uma sobrancelha.

- Então você é o famoso Rael. - não foi uma pergunta, mas uma afirmação. - Até que enfim te conheci, meu pai não parava de falar de você.
- Que é isso, filho. - Murilo falou, rindo. - É porque vocês são da mesma idade, vão morar juntos... precisavam saber mais um sobre o outro.
- Eu sei como é. - eu disse, me aproximando dele. - Minha mãe também só fala de você. - eu estendi minha mão aberta em sua direção. - Mas é muito bom conhecer você pessoalmente também.

Ele segurou minha mão e a apertou, porém não a soltou. Segurou minha mão por um tempo, com um sorriso nos lábios fechados.

- Eu espero que a gente possa se dar bem. - ele falou, ainda segurando minha mão e sorrindo. - Até porque nós vamos literalmente dormir e acordar juntos.
- Dormir e acordar juntos? Literalmente? - falei, surpreso e confuso.
- Sim, ué. Nós não estamos dividindo o dormitório da faculdade?
- Ah, sim! - eu disse, também sorrindo. - É, com certeza. Eu também espero que a gente se dê muito bem.
- Bom, não sei se você sabe, mas eu tenho uma irmã. O nome dela é Olívia e ela mora no Canadá. - ele enfim soltou minha mão. - Mas meu coração tem espaço pra mais um irmãozinho também.

Nesse momento ele sorriu aberto e bagunçou o meu cabelo. Isso me pegou de surpresa. Então além de parecer brincalhão, ele também parecia não ter nenhum problema com contato físico. Mais uma diferença entre nós dois.

- Na verdade, ele estava se referindo a você como irmãozinho, Otto. - brincou a minha mãe.
- Mas claramente nós podemos ver aqui quem é o "inho" entre nós dois. - disse o Otto, rindo e se pondo ao meu lado.
- Ei, nada de "inho"aqui. - eu falei, também rindo. Mas de fato, Otto era mais alto do que eu, de modo que eu alcançava apenas até o pescoço dele.
- Bom, independente de quem é mais alto, Rael, você deveria tomar um banho. Eu e o Murilo vamos organizar o jantar. Otto, você pode dar uma ajuda ao Rael no quarto de hóspedes?
- Quarto de hóspedes? Que é isso! - Otto respondeu, apoiando sua mão no meu ombro. - Se vamos dividir o quarto na faculdade, podemos começar aqui. Rael vai ficar comigo no meu quarto, pode ser? - ele perguntou diretamente pra mim, me olhando.
- Não vejo problema... - falei, meio sem vontade.

Eu já não estava me sentindo muito à vontade em morar com ele ou com qualquer outra pessoa no campus. Eu sei, é mal de filho único. Mesmo quando eu estava em Amsterdã, tinha um quarto só pra mim. Mas, se precisava me acostumar a, como Otto disse, dormir e acordar com ele, melhor que eu começasse desde já.

- Então é isso! - Otto bateu uma palma e se virou pra mim. - Então vamos lá, meu irmãozinho, conhecer meus aposentos reais.

Minha mãe deu uma risada e se dirigiu à cozinha com Murilo. Enquanto eu seguia Otto até seu quarto, me peguei pensando algumas coisas que eu não tinha me dado a liberdade de pensar antes.

Será que Otto sabia que eu era gay? Quer dizer, eu mesmo não sabia nada sobre a sexualidade dele, ele pode ser hétero, bi, gay, eu não sei. Isso nunca foi um tema de assunto entre eu, minha mãe e Murilo. Então, será que tinha sido tema de conversa entre eles?
Se sim, eu me sentiria estranho, porém aliviado por não precisar ter essa conversa com ele.
Mas, se não, aí o buraco já era mais embaixo.
Será que ele ia se sentir bem morando, dormindo e acordando com um cara gay do lado?
Será que eu ia me sentir bem nessa mesma situação com um cara hétero? Se é que ele era hétero...
Será que eu precisava tocar no assunto?

Enquanto eu estava perdido nos meus próprios pensamentos, Otto ia na frente falando sobre alguma coisa que passou batido pra mim, até que chegamos ao seu quarto.

- Bom, aqui é nossa parada final. - ele se virou pra mim, sorrindo. Será que ele nunca parava de sorrir? - Mas antes da gente entrar, eu preciso te pedir uma coisa.
- A mim? O que? - perguntei, confuso.
- Bom, eu soube que você... Sabe como é... Joga no outro time. - ele começou a falar e eu precisei controlar a vontade de revirar os olhos. - Não que isso seja um problema pra mim, claro. Mas, bom, eu não jogo no mesmo time que o seu, se é que me entende. Então, eu vou te pedir pra ter cuidado e se controlar pra não se apaixonar por mim.
- Como é? - eu perguntei, descrente.
- Não leve a mal. - ele falou rindo, muito à vontade. - É que eu sei que sou atraente. Você também é, mas não pra mim. Então, temos esse acordo, ok?

Eu estava louco pra suspirar, bufar, gemer ou fazer qualquer ruído que mostrasse a ele como eu estava achando aquela preocupação dele ridícula. Mas me forcei a sorrir.

- Não se preocupe, irmãozinho. - coloquei minha mão no seu ombro. - Isso não tem a menor chance de acontecer.

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