Capítulo XLIII | Inferno

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GABRIEL

Os prédios altos penetravam a neblina espessa acinzentada carregada de pequenas partículas de uma areia negra e fina, a mesma que se encontra escondendo o concreto irregular que formava a rua.

As asas vermelhas como fogo se sujavam ao arrastar as penas sobre aquela areia. O silêncio predominava e chegava a ser agoniante tamanha ausência de som.

Achei estranho pois Azazel já deveria ter aparecido para me recepcionar. Não me dei ao luxo de entrar em algum daqueles prédios sem vida e sem cores. Com almas vivendo aprisionadas dentro de cubículos sofrendo a mesma coisa todo dia em um looping infinito em busca de salvação.

Preciso encontrar a ilha isolada onde os demônios vivem em martírio de calor, sujeira e todo tipo de calamidade.

Um foco de luz se abriu de entre as nuvens e logo se apagou, parei por alguns segundos tentando sentir o que acabara de entrar no Inferno mas não obtive sucesso.

Caminhei apenas escutando os passos serenos e o batuque do meu coração tão calmo como uma pena que flutua sobre águas cristalinas.

O corredor era estreito e quente, comecei a transpirar assim que pisei na ilha. Era um calor insuportável e agoniante que só me fazia pensar que queria sair. Aumentei minha aura para estabilizar os efeitos.

Eram seções de salas pequenas e extremamente baixas, me lembrava um formigueiro ou um labirinto que trazia uma agonia ao ver o mesmo lugar várias vezes, mas na realidade não é o mesmo, as salas só são extremamente iguais.

O vulto que parou atrás de mim não foi discreto e nem tentou parecer. A carcaça de um crânio de boi tapando a face trazia toda a sensação de mistério sobre seu rosto. Os fios dourados e cacheados caiam sobre a ossada em que os olhos esverdeados brilhavam intensamente. O corpo atlético e coberto por tatuagens me entregou no mesmo momento a sua identidade.

— Lord Gabriel, é realmente um privilégio recebê-lo aqui! — ele me reverenciou — Como posso ajudá-lo?

— Me leve até Asmo, Azazel.

O demônio seguiu à minha frente me mostrando o caminho. Não pude deixar de observar a ausência de suor no corpo dele. Se os poros só estão transpirando agora, quer dizer que o mesmo não estava no Inferno?

— Por que estava na Terra? — comecei — Observei que não está transpirado.

— Eu estava na cidade, senhor.

— Então porque não foi ao meu encontro logo que adentrei o Inferno?

— Não recebi a notificação, ultimamente o corvo Rubi não anda fazendo seu trabalho direito. Me perdoe.

Aham, que convincente. Um corvo treinado por milênios vai falhar, claro que sim, Azazel. Um corvo que só é programado para fazer isso e só não vai notificar você se estiver na ilha ou na Terra, e se estivesse na ilha estaria suado.

Caminhamos por alguns minutos em silêncio e tive a impressão que estávamos andando em círculos, mesmo com tudo sendo absolutamente igual, é notável que estamos em rodeio.

— Azazel, pare de me enganar que eu estalo os dedos e você vira pó. Me leve até o Asmo, agora.

— Estamos indo ao encontro dele, senhor.

Enrolei os dedos nos fios cacheados de Azazel e o empurrei contra a parede, fazendo o crânio animalesco se descolar da pele arrancando-a devagar. O demônio soltou gemidos de dor mas se controlou ao máximo para não se humilhar ainda mais.

— Não me faça de bobo, demônio.

O loiro se recompôs e tomou sua forma humanóide. Os olhos sempre carregados de ira me faziam até pensar que era direcionada a mim. O rostinho bonito seria classificado sem problemas como um homem lindo na Terra. Só que ninguém sabe que atrás de cabelos bonitos, uma pele lisinha e traços perfeitos, se esconde um demônio petulante e raivoso.

O Diabo Também ChoraOnde histórias criam vida. Descubra agora