Protagonistas

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— Mamãe, por favor! Precisa fazer alguma coisa. Por favor!

Vossa Majestade Clara dava passos leves e descalços pelo seu quarto, no último cômodo do corredor mais distante do último andar do castelo de Callas.

— Vão machucá-la! Você não consegue ver? Vão matar sua mãe! Vão machucar minha vovó!

Os últimos dias haviam sido cansativos pra ela, lidando com o assassinato de uma alfa querida na cidade central. A possível ameaça contra si. O cômodo era iluminado pela luz alaranjada da lareira, queimando interminável. Steven parecia incomodado com o barulho, mas dormia como uma rocha do lado esquerdo da cama.

— Se deixar que a machuquem, mamãe, eu nunca vou perdoá-la.

Clara nunca perdoou. Ela cumpria suas promessas, afinal. Em suas mãos residia um diário; ela se considerava tola o suficiente em sua época de adolescência e juventude adulta para registrar seus ordinários dias em papel precioso. Sua mãe, a mais nova rainha de Callas na época, não parecia guardar um único pingo de ressentimento pela morte da avó de Clara.

Ela ainda conseguia ouvir os barulhos desesperados que vinham da velha mulher no meio da multidão. O som da água - a melodia das gotas pulando para fora do barril enquanto desesperadamente tentava fazer com que o ser humano que invadia seu espaço a soltasse. Ela parou de respirar para todo o sempre, e Clara assistiu, puxando as vestes da mãe. Afogamento. Condenada por traição.

Clara passava página por página, palavra por palavra com desgosto no olhar. Tão tola. Tão fútil. Tão inocente havia sido um dia. Tão...

Ali estava, no meio entre duas páginas manchadas por respingos antigos de sangue. O retrato perfeito de seu filho bebê recém-nascido a vinte e oito anos atrás, uma pintura. Olhos vermelhos, os cabelos brancos, mas de tom azulado que começavam a nascer. Um sorrisinho em meio a bochechas redondas. Mãozinhas para o alto, querendo o colo de sua mãe.

Ele não se parecia nem um pouco com Steven.

Clara ainda conseguia sentir o cheiro dele de vez em quando. Voltava para assombrá-la quando tudo parecia estar indo conforme ela queria.

— Mamãe? Posso perguntar uma coisa?

Ela se aproximou da lareira. Com a pintura de seu filho em mãos, lentamente esticou o braço para dentro do fogo, observando o papel alimentar a chama e se transformar em cinzas enquanto sua mão queimava. Não doía tanto quanto imaginou. Quando recolheu seu membro ferido, percebeu que talvez devesse ir correndo avisar para seus cavaleiros do outro lado da porta chamarem um médico. Ao invés disso deu passos lentos de volta para a cama.

Guardou o diário debaixo de seu travesseiro. Ainda fraca o suficiente para não queimar aquelas páginas escritas por si mesma a tanto tempo. Steven não se mexeu.

— Por que as pessoas morrem?

— Porque é o destino de todos nós, criança. A morte é a única certeza que podemos ter em nossas curtas vidas.

— Como eu vou saber que o meu destino chegou? Que finalmente estou no fim?

— Simples. Ele irá bater na sua porta três vezes. Quando você se inclinar para abrir, cavaleiros de seu próprio reino irão te agarrar e te levar para longe da vida.

— Mas eles são meus cavaleiros! Deveriam me obedecer, todos!

— Ah, Clara... você é uma garota quebrada. Falha. Não consegue enxergar?

3 A.M: O Conto da Lua EscarlateOnde histórias criam vida. Descubra agora