Prólogo

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Era uma noite calma e silenciosa. Nem um som de grilos, nem crepitar de fogueiras se conseguia ouvir. Entretanto, se sentia um leve vento pairando no ar. Sua suavidade era semelhante ao toque de uma moça no rosto do seu amado. Seu ar trazia vigor ao pulmão do mais jovem dos seres humanos. Porém, para os que estavam sendo cobiçados pelas moiras, o seu toque era assombroso e agonizante. A neve caia, acompanhando a força débil do vento, rumo ao chão. Junto às folhas das árvores presentes naquela floresta, elas eram instrumentos regidos naquela orquestra silenciosa e tristonha.

Entre as árvores, surgia uma figura que era semelhante a de um humano coberto por uma capa negra. Parecia cambaleante, e se apoiava nos troncos arbóreos com suas mãos brancas, bastante anêmicas. Seus dedos eram franzinos, semelhante a um graveto seco de uma árvore. A figura se dirigia a algum lugar. Parecia estar fugindo de algo ou de alguém. Medo da vida, medo da morte, medo dos homens... quem saberá decifrar?

A mesma se aproximava do meio da floresta. De repente, o ser encapuzado choca-se com a última árvore presente antes de um pequeno campo aberto e cai no chão, revelando parte do seu rosto. Era uma velha. Pelo menos, aparentava. Talvez acometeu sobre si uma doença. Seu rosto era magro, mas a sua pele não parecia tão desgastada. A expressão do seu olhar era de cansaço e medo.

A mulher tentava se levantar, apoiando as duas mãos sobre a relva gelada e úmida, mas logo se choca no chão em um estado de derrota. Mesmo assim, com ânimo de alcançar seu objetivo, desconhecido até o momento, ela começa a se arrastar para frente. Subitamente, um lobo com pelagem azul-marinho e branco aparece em sua frente. Seus olhos tinham um brilho turquesa-claro resplandecente que se mantinham fixos naquela mulher.

- Como foste tão tola a ponto de chegar a um estado tão deplorável!? - disse o lobo com uma voz firme e séria.

- Eu sei de minhas escolhas, e não me arrependo de tê-las feito. - disse a velha com a voz embargada. De repente, o vento fica mais forte, mudando para uma direção contrária a mulher, levando seu capuz para trás e revelando cabelos brancos sem brilhos. Eles não brilhavam como seus olhos, embora os mesmos estavam nesse estado, talvez, por medo.

- Mas, devia. Como irás ver teu amado e tua filha novamente!? Antes, tua imortalidade era uma virtude. Agora tu jogas fora aquilo que tens de útil. Até o cérebro lhe escapou a cabeça. - disse o lobo, começando a rodear a mulher, observando seu estado com indiferença. - Eu era teu amigo. Tu podias pedir um desejo a mim e eu te concederia o universo inteiro. Até teu amado receberia tua antiga virtude para viver a eternidade contigo.

- Do que adianta ter imortalidade se ela só serve para tornar teus dias mais fadigantes!? Me poupe de teus conselhos! Sei que desprezas os que te amam. Como fez àquela mulher! - disse a velha pegando um punhado de neve com as mãos e arremessando para o lado do lobo.

- A questão não sou eu. És tu. Foste rebelde com toda tua casa, negou a dádiva de tua mãe e a soberania de teu pai. Lançou teu  reinado por terra. E ainda te orgulhas de teus feitos mau maquinados como se estivesse certa!? Não te reconheço e me enojo do que se tornou! - disse o lobo dando um rosnado feroz.

- Então vamos! Se achas que minhas atitudes foram impensáveis e malditas aos teus olhos, tira agora minha vida. Não me... - de repente, a velha começa a tossir, aspergindo sangue na relva, criando um orvalho carmesim.

- Poderia eu te dar essa dádiva. Mas teu sangue não é digno desse prazer. - disse o lobo, transformando-se em um ser humano. Seu olhar agora era de pena e raiva ao mesmo tempo. Confuso entre dois sentimentos, o homem se vira de costas, segurando e apertando o punho direito contra o cabo da sua espada, deixando apenas seus cabelos negros à vista da mulher. O vento os balançava. Ele acenou a cabeça leve e rapidamente, com repulsa. - Tuas irmãs irão saber. Creio que concordarão com minha atitude.

- Elas sempre detestaram meu jeito de pensar... Menos... - A mulher deita serenamente a cabeça no chão. Seus olhos ainda abertos, enxergavam apenas uma paisagem embaçada. A medida que os segundos passavam, a visão dela se escurecia. Algo inaudível saia de seus lábios e o homem não notou isso.

- Menos!? - perguntou o homem virando o rosto levemente para trás. - Aproveite teus últimos momentos para...

De repente, o homem volta o rosto para frente de maneira brusca apertando seus próprios dentes entre si. Logo em seguida, ele se transforma em lobo novamente. Aquele vento, aquele ambiente, aquela sensação ficariam marcadas na memória do homem. "A morte espreita no silencio da noite" pensou consigo mesmo.

- Adeus, velha amiga. - disse o homem-lobo, deixando uma lágrima cair sobre a relva. Andando a passos elegantes e lentos, ele sai rumo a floresta e desaparece na escuridão da noite.

O corpo da mulher começava a se desintegrar em partículas pequenas e cintilantes que subiam rumo ao céu. Seus olhos fecham e um sorriso toma conta de seus lábios. O vento começava a ficar forte e impetuoso, a neve ficava mais agressiva e dava pra ouvir os animais, antes escondidos em seus abrigos, berrarem alto naquela floresta. A doce mulher partiu. O que esperar de um mundo sem a sua essência?

Pentandade Lendária: A Estigma DivinaOnde histórias criam vida. Descubra agora