Capítulo 34

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   Ela estava correndo em um campo, junto da pessoa pela qual faria qualquer coisa para evitar o sofrimento dela. Era uma tarde quente, com uma leve brisa vindo do leste. Havia uma árvore à sua esquerda, onde momentos antes ficaram sob sua sombra, bebendo água, comendo algumas coisas e descansando.

O céu começou a escurecer de repente. Não haviam nuvens, mas não era um eclipse. Apenas o azul claro e brilhante se transformando no tom mais escuro de preto. O sonho acabou.

Já acordando do estranho, sem respirar e com algo estranho saindo de sua boca, Linda sentiu que não havia nada para fazer e tentar pedir por ajuda. Não conseguia latir e nem se mexer por falta de ar, que lhe dava a pior sensação que ela já sentiu.

Tentou se levantar e caiu antes mesmo de ter as quatro patas em contato com o frio chão em que estava deitada. Seus olhos mal se abriam. O máximo que conseguia enxergar era uma forte luz vinda do teto.

Sombras começaram a surgir em sua visão afetada pela oxigenação sanguínea. Essas sombras se mexiam rapidamente e também a tocavam. Pessoas do lugar perceberam seu desespero para sobreviver a este terrível pesadelo que só piorou ao acordar.

Nenhuma das pessoas ao seu redor tinha o toque delicado e amável de Cassie. "Cassie!", Linda pensou. Ela não poderia deixa-la ver o sofrimento pelo qual estava passando. Não conseguia se mexer por ter veterinários ao seu redor prendendo-a ao chão e evitando que tentasse se mexer e sentisse mais dor.

Seus pulmões pareciam que iriam explodir a qualquer momento. Pernas moles e sem vida. Não conseguia sentir nenhum de seus membros além da insuportável dor que a consumia no peito.

Sua respiração não existia. A cada minuto, mais ou menos, conseguia inspirar minimamente um pouco de ar. Não o suficiente para evitar sentir que o seu fim havia chegado.

Ela queria estar isolada para que Cassie não a visse naquele estado. Mal sabia que Cassie estaria sabendo de seu sofrimento dali a vinte segundos e mesmo não estando ali, Cassie sofreria como se estivesse a vendo morrer em sua frente.

Abafadas vozes eram ouvidas ao seu redor. Pessoas a tocando e fazendo com que se sentisse apavorada.

Apavorada por estar causando sofrimento nelas pela sua morte.

Linda começou a se lembrar de o quão grata foi por ter sido da Cassie. Não só a Linda dela, mas a Cassie da Linda. Uma era da outra. O destino as uniu, como deveria. Linda cuidou de Cassie todos os dias desde o incidente do furacão. Cassie cuidou da Linda com todo o amor e carinho possível. O "adeus" delas seria pior que a dor que sentia em seus pulmões no momento. Nunca mais se ver. E nunca mais poder receber carinhos na cabeça por parte de Cassie. Por mais que não quisesse admitir, ela estava com medo. Medo de morrer e deixar Cassie sozinha neste mundo.

Queria ser corajosa como sua dona, se aventurar em uma totalmente nova aventura e, ao mesmo tempo, totalmente desconhecida aventura. Mas a aventura que a exigia coragem, exigia ao mesmo tempo dor. Dor emocional e física.

Dor emocional por dizer "adeus" sem saber se Cassie viria para se despedir, não ter tido mais tempo com ela, deixa-la tão rapidamente. Dor física por não saber o que acontecia com seu corpo e por que sentia tanta dor, dor que ardia sua cabeça e seu peito.

Elas não conviveram muitos anos juntas. Pode-se dizer que sete anos, dependendo da situação, é muito tempo. Mas não foi para Linda e Cassie. Faltava-lhes muita coisa ainda para ser vivida e muitas aventuras a serem realizadas. Mas o tempo, infelizmente, não pode ser controlado, por mais que queiramos mais tempos com quem amamos.

Sentiu que duas pessoas a levantaram e a colocaram em algo gelado. Luzes iam e vinham do teto. Estava se mexendo e sendo levada para algum lugar. Sua visão só piorava devido à baixa oxigenação sanguínea.

Linda entrou em um ambiente mais escuro, onde não conseguia enxergar mais nada. Não conseguia saber se suas pálpebras estavam abertas ou fechadas.

Foi transferida da maca, que agora havia ficado quente, para uma mesa, que novamente estava fria. Deitada de lado, sua orelha direita ficou por baixo de sua cabeça. Em um outro momento, isto teria a incomodado por afetar o fluxo sanguíneo da região. Só que agora, tudo o que sentia era a dor já insuportável de seu peito, ficando ainda pior.

Sua cabeça não parava de girar. Estava muito tonta. Sentia que iria cair de costas, mesmo não tendo como se mexer por causa da posição em que foi colocada.

Um líquido gelado começou a fluir em suas veias. A sensação era horrível e estranha.

Em cada lugar que sua cabeça ficasse apoiada por mais de dois segundos, uma poça de um líquido morno se formava. Sua saliva estava por toda parte ao seu redor. Sua própria miséria a humilhava na hora da morte.

Voltou a pensar em Cassie e em quão grata foi por ter sido resgatada naquele dia. Viveu muitos anos na rua e antes disto, viveu em uma casa com uma senhora que não ligava muito para o bem-estar da Linda. Foi jogada na rua dois dias antes do ano novo. Tinha apenas dois anos e meio de idade. O barulho dos fogos de artifício a aterrorizou mais do que já estava por causa do incidente de dois dias antes. Viveu na rua por mais seis anos.

Passava fome, frio, sede, calor e era muitas vezes maltratada por pessoas que não a queriam por perto. Essas pessoas achavam que a Linda era algum tipo de objeto sem sentimentos e por isso, poderiam trata-la do jeito que bem entendessem.

As pessoas que nunca foram amadas verdadeira e profundamente, não fazem ideia do que é saber amar.

Um sono muito forte foi sentido pela Linda. Ela tentou resistir às suas pupilas fechando mesmo contra sua vontade.

Era hora de ir.

Deixou seus olhos fecharem e sentiu as últimas batidas de seu coração que um dia já bateu de forma forte e saudável. Sua mente divagou para todos os momentos em que sentia uma taquicardia invadir o seu ser ao ver Cassie e seu grande sorriso estampado no rosto, com os braços abertos, esperando, igualmente feliz, pela Linda.

Um amor que durou pouco mas eu te amei profundamente, de todo o meu coração. Por isso que dói te deixar. Obrigada, Cassie. Sempre irei te amar de toda a minha alma.

Neste momento, Linda deixa ser levada pelo sono que o soro que a foi injetado lhe proporcionou. Toda a sua existência fadada a um único momento de sofrimento que antecipou sua última tentativa de suspiro.


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Para todas as pessoas que acharam que os sete anos delas juntas não fez muito sentido, matematicamente falando:

Cassie já tinha 16 anos quando Linda morreu. Ambas se conheceram quando Cassie tinha oito anos de idade. Isso daria oito anos de convivência, certo? Na verdade, quando Cassie foi viajar para a Inglaterra, ela ainda tinha quinze anos de idade. E desde então, não viu mais a Linda. Por isto que seriam apenas sete anos convivendo juntas e não, oito. 

Estarei sempre à disposição para esclarecer qualquer dúvida que tiverem sobre a história. 

XOXO, 

Bela.

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