36 • muitas interpretações

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No dia seguinte, acabei acordando bem mais cedo do que eu gostaria. Era sábado, eu não tinha aula e também não pretendia sair para correr, porém o meu cérebro não parecia estar disposto a me deixar dormir até tarde.

Me levantei preguiçosamente da cama e praticamente me arrastei até o banheiro. Aparentemente tinha algo nessa casa que me deixava mais preguiçosa do que o normal. Ou talvez fosse toda a confusão de ontem a noite da qual eu ainda não tinha me recuperado.

Depois de trocar de roupa, ajeitar o meu cabelo e me olhar pelo menos umas dez vezes no espelho para garantir que eu não parecia um zumbi que tinha acabado de se levantar do túmulo, desci as escadas rumo à cozinha. Eu tinha como objetivo uma grande xícara de café, porém as vozes que ouvi me fizeram parar no meio do caminho.

Assim como das outras vezes em que isso aconteceu, imediatamente interrompi os meus planos e afiei os meus ouvidos.

Aparentemente o café teria que esperar.

A voz do Gael era a que eu mais ouvia, mas ele estava obviamente conversando com a sua mãe e... com o meu pai também, percebi depois de alguns instantes. Por um rápido segundo, pensei que ele talvez tivesse resolvido abrir o jogo sobre nós dois sem a minha presença. O que curiosamente era algo que me deixava ofendida ao mesmo tempo em que era totalmente compreensível.

Afinal, eu não era conhecida por ter conversas calmas e civilizadas.

Não demorou muito para eu perceber que o assunto sobre o qual eles falavam não tinha nada a ver comigo. Bom, não tinha nada a ver comigo até onde o meu pai e a Liz sabiam — considerando o que eu tinha ouvido o Gael falar até agora.

A sua voz era baixa porém forte e decidida enquanto falava que, ao contrário do que ele tinha deixado todos pensarem, ele estava morando e estudando em Ertonvale. Meu pai e a Liz o encheram de perguntas, querendo saber quando e como isso aconteceu e, o mais importante, o motivo por trás de uma mudança tão drástica em seus planos. Percebi o Gael tentando ser o mais honesto possível com as suas respostas sem ter que tocar no meu nome e em sua real razão para fazer tudo o que fez.

Não pude deixar de sorrir ao ouvi-lo falar. Não só porque a voz dele era deliciosamente agradável de ouvir, mas porque de repente me dei conta de que ele também estava tentando ser mais aberto e honesto.

Sim, não era só eu que estava sentada em cima de uma montanha de mentiras. Gael, por melhor que fosse, também tinha inventado histórias e omitido alguns importantes fatos. Era fácil esquecer que ele ainda guardava segredos quando eu já sabia da verdade.

Ao contrário de quando eu conversava com o meu pai, não houve gritos nem ameaças. Eram apenas três pessoas conversando. Bom, um deles falava e os outros dois o enchiam de perguntas. Mas estava tudo estranhamente civilizado.

Fiquei mais alguns minutos ouvindo até que se fez silêncio total. Era quase possível ouvir os pensamentos deles. Quase.

- Então, agora você está estudando no Instituto de Culinária de Ertonvale? — Liz perguntou depois de uma eternidade.

- Sim.

- Bom. Pelo menos os seus planos em relação ao que você pretendia estudar não mudaram.

- E você ainda pretende conseguir um trabalho em um restaurante? — foi o meu pai quem perguntou dessa vez. Óbvio que seria ele a fazer esse tipo de pergunta.

- Sim. Eu tenho conversado com o tio Gavin sobre uma vaga no restaurante dele.

- Foi por isso que você mudou os seus planos? Para poder trabalhar com o seu tio?

Não Posso Te Amar [livro 2]Onde histórias criam vida. Descubra agora