40 • raiva ou algo do tipo

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Tantos planos. Tantos planos. Tantos planos.

Era só nisso que eu conseguia pensar enquanto entrava no carro. Me sentando no banco de trás dessa vez.

Eu e o Gael tínhamos feito tantos planos sobre como aconteceria a conversa com os nossos pais e agora tudo isso corria o risco de ter sido em vão porque cada vez que eu piscava uma pessoa a mais ficava sabendo do nosso segredo.

Eu estava cansada.

Exausta.

Eu queria dormir até amanhã e, quando eu acordasse, todos os meus problemas teriam sido magicamente resolvidos.

Senti os olhos de alguém em mim e, quando encontrei o olhar fulminante do meu pai pelo retrovisor, tive certeza de que nada bom viria a seguir.

- Gia, você vai me explicar exatamente o que aconteceu aqui ou eu vou ter que adivinhar?

Suas mãos estavam no volante, mas ele não estava dirigindo. O carro não estava nem mesmo ligado. Algo me dizia que tão cedo não sairíamos desse estacionamento.

Gael estava sentado ao lado do meu pai, no banco do carona, mas os seus olhos estavam fixos em algum lugar do outro lado da janela. Uma de suas mãos segurava o seu queixo, onde eu imaginava que ele tinha levado um soco.

- Meninos, não é mesmo? — falei com um ar brincalhão que não funcionou. Meu pai continuava me fuzilando com o seu olhar.

- Quem era aquele rapaz, Gia? — sua voz era mais séria do que nunca

- Ninguém. Ele não é ninguém importante.

- Não foi essa a impressão que eu tive.

- Onde está o Barbosa? — perguntei, de repente me dando conta da ausência do amigo do meu pai.

- Ele foi embora. Seja lá a confusão em que vocês dois se meteram, eu não queria envolvê-lo nisso ainda mais.

- Por que ele estava aqui? — continuei perguntando, obviamente evitando o assunto principal — Foi uma coincidência ou vocês dois combinaram de se encontrar aqui?

- Gia, nada disso é relevante! Agora responda a pergunta que eu te fiz. Quem era aquele rapaz e por que ele estava brigando com o seu irmão?

Algo dentro de mim se quebrou um pouco. Talvez não o suficiente para cair um pedaço, mas a forma como o meu pai tinha se referido ao Gael tinha ao menos causado uma rachadura. Uma rachadura das grandes.

Meu pai já tinha chamado o Gael várias vezes de filho nos últimos meses, mas essa era a primeira vez que se referia a ele como sendo meu irmão. O que deu um nó no meu cérebro, quase que literalmente.

Contar a verdade a eles vai ser muito mais difícil do que eu imaginava.

- Nós não somos irmãos — foi o Gael quem respondeu, ainda sem tirar os olhos da janela. Sua voz saiu baixa, porém firme.

- Eu sei que vocês não são irmãos de verdade, mas é como se fossem — meu pai tentou argumentar.

Dessa vez o Gael se virou e olhou dentro dos olhos do meu pai antes de respondê-lo. Não havia raiva em seu olhar, nenhum outro sentimento desse tipo, apenas algo que eu interpretei como... determinação, talvez?

- Não — foi tudo o que ele disse antes de se virar e voltar a encarar a janela.

Por um breve instante, olhei na direção em que ele tanto olhava na esperança de ver o que aparentemente era o foco da sua atenção. Mas não vi absolutamente nada digno de nota.

Não Posso Te Amar [livro 2]Onde histórias criam vida. Descubra agora