Dora

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Há três velas de chamas amareladas sobre a mesa de madeira escura. À frente de cada uma, mamãe coloca um prato. Um é para ela, outro para minha irmã Dora e outro para mim. Eu odeio jantar com minha irmã.

— Para de me olhar! — Grito para Dora, empurrando o garfo com força para o prato.

Eu a observo, irritada. Ela sempre faz isso, me olha como se fosse mais bonita, a preferida, a que todos amam. Só eu sei tudo que essa menina me faz passar. Um dia ainda realizarei meu sonho de abrir seu crânio de cabelos dourados com um machado.

Mamãe não diz nada, como sempre. Ela foca na comida, movendo os talheres lentamente, com aquele olhar distante. Eu sei que algo não está certo, mas ninguém fala sobre isso. Nem mesmo Dora percebe. Ou talvez perceba, mas se finge de desentendida, como se quisesse manter a normalidade. Ela fica quieta por medo, mas o que nossa velha mãe vai fazer? Eu não me calo e não tenho medo.

As velas tremulam na brisa fria que entra pela janela quebrada. Elas estão começando a se apagar, uma por uma, e isso me dá uma sensação estranha. Mamãe continua comendo, mastigando cada pedaço com uma lentidão que me faz querer gritar. Quando o último pedaço de carne desaparece de seu prato, ela olha para mim, sem expressão alguma.

— Vou te contar um segredo, minha querida. — Ela diz, a voz suave, mas carregada de algo sinistro.

Dora levanta os olhos, curiosa, mas não ousa falar. Eu, no entanto, engulo em seco, tentando disfarçar o medo que me invade.

— A comida que você come... — Mamãe faz uma pausa, como se estivesse saboreando a própria frase. — Não é só carne.

Eu engasgo com minha saliva, olhando para a vela que agora se apaga completamente. Tudo está escuro, e o ar parece denso, como se as paredes se aproximassem de mim.

— Você não percebeu? — Ela sorri, mas é um sorriso vazio. — Dora não percebeu, mas você... você sempre foi mais atenta.

Eu olho para Dora, que continua comendo, ou pelo menos, parece que está. Seus olhos estão vidrados, fixos em um ponto à frente. Mas algo em sua postura parece... errado. Não sei o que é, mas tenho a sensação de que ela não está ali de verdade.

De repente, uma onda de náusea me toma. Eu me curvo sobre a mesa, colocando as mãos sobre o prato. Então, percebo que o cheiro da comida mudou, tornou-se mais forte, mais metálico. Levanto os olhos novamente, e, para minha surpresa, Dora não está comendo. Ela está apenas parada, imóvel, com os olhos completamente vazios. Seu rosto está pálido demais, como se a vida tivesse sido drenada dela há horas.

— Mamãe, o que... o que aconteceu com a Dora? — A voz me sai trêmula, mas a mãe não responde. Ela apenas me olha, com uma expressão fria.

— Não fale sobre isso, querida. — Ela sussurra, ainda sorrindo, mas de um jeito estranho, como se estivesse se divertindo com meu desespero.

O pânico começa a tomar conta de mim. Eu me levanto de um pulo e olho para a irmã, mas, então, percebo algo que não havia notado antes: o corpo de Dora não se mexe. Ela está sem vida, pálida, e a carne que ela estava comendo não é comida. Eu vejo, agora, os pedaços de carne em seu prato se mexendo... E então percebo. A carne não é carne. É pedaços dela mesma.

Eu fico paralisada, o coração batendo forte, a mente confusa. Pisco os olhos várias vezes, estou tão confusa, será que estou enlouquecendo?

— Você... você matou sua irmã, querida. — Mamãe diz, calmamente. Ela se aproxima de mim, colocando a mão sobre o meu ombro. — Como punição, agora você deve comer ao lado dela, todos os dias. Ela será sua companhia para sempre.

Eu engulo em seco. E é nesse momento que tudo se encaixa. A culpa, o medo, o pesadelo, a distância da realidade... O beijo frio na testa de Dora todas as manhãs. As conversas sem respostas. A sensação de que sempre estava sozinha... Mas não era eu. Era ela. Ela que nunca saía da mesa.

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⏰ Última atualização: 13 hours ago ⏰

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