Terceira

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Tocando: To Build a Home – The Cinematic Orchestra, Patrick Watson

Me peguei pensando no que seria de nós se tudo tivesse sido diferente. Você ainda estaria aqui se não tivesse tido aquela súbita coragem de me beijar? Se eu não tivesse escrito aquele maldito bilhete? E se você sequer cogitasse me contar o que sentia? Talvez você ainda estivesse sentada naquela mesa vazia atendendo aos meus pedidos e obedecendo minhas ordens. Mas você sempre quis mais. E eu sabia que mais cedo ou mais tarde você me deixaria, mesmo que apenas para seguir o seu caminho da forma com que planejou todos esses anos. Do jeito que seus pais sonharam para você.

E ainda assim eu sentiria sua falta.

Você não era apenas uma assistente estúpida. Não era a "Garota Miranda". Você sempre foi Andrea, aquela que ousava me fazer questionários inteiros mesmo sendo repreendida. E eu sempre soube que você iria longe com sua ousadia.

Me peguei pensando também nas vezes em que me senti realmente em casa. Não em casa, nesse emaranhado de paredes silenciosas que escondem meus segredos e escutam meu choro todas as noites. Mas em casa, como quando minhas filhas me abraçam quando chego depois de um dia exaustivo. Ou quando dormimos nós três na mesma cama depois de rir e ler alguma história do agrado delas. Ou quando bebo meu café no jardim num sábado à tarde com meu livro em mãos e o vento suave do entardecer envolvendo meu corpo e trazendo o cheiro das rosas. Ou quando você me abraçou e eu senti todas as dores se esvaírem. Quando você me beijou e eu descobri que aquele beijo era a única coisa que eu precisava para seguir em frente. Quando você me fez sua e dormiu com o rosto em meu pescoço depois de sussurrar o quanto meu cheiro era bom. Agora meu próprio cheiro me lembra de você. E o seu perfume parece se misturar ao meu ainda que tanto tempo tenha se passado. Ele parece estar correndo em minhas veias, me torturando e preenchendo todo e qualquer espaço vazio no qual eu entre.

Você fez tudo perder o sentido, Andrea. Fez com que meu trabalho seja apenas um trabalho. Com que minhas refeições não me sustentem. Fez com que eu precise de sempre mais. Às vezes penso que nenhum outro beijo será como o seu. Nenhum outro toque fará com que meus pelos criem vida própria. 

Agora preciso encontrar outra forma de construir uma casa e me sentir bem nela, Andrea. Porque seus braços não estão mais aqui. Seu corpo quente não vai mais me envolver. Seus beijos não me calarão. Seu calor não vai mais sobressair o frio do inverno. E não sei como seguir.

Preciso de uma luz. Uma orientação.

Como é que se constrói uma casa tão bela quanto você?

Preciso saber.


Para sempre sua,

Miranda. 

Please Notice | Em revisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora