Demoramos para nos acostumar com a solidão, a sermos sozinhos, mas quando alguém chega e preenche o vazio, é tão mais fácil de se acostumar que não lembramos de como era não precisar de ninguém. Clara, apesar de ainda estar chateada comigo por algum motivo, decidiu me esperar para tomar café da manhã, é estranho porque Ricardo nunca me esperou para nada, muito menos depois de uma briga ou discussão. Ele se coloca em primeiro, segundo e terceiro lugar sempre, e eu o procurava entender por dois motivos, um: ele é médico e a exaustão lhe acompanha a todas horas do dia. Dois: ele odeia esperar alguém para comer tanto quanto odeia esperar a comida ficar pronta ou esfriar.
Passei na padaria e comprei pães, Clara — que já aprendeu a usar a cafeteira — preparou o café. Achei que por ter passado uma semana sem vir à sua casa ela se empanturraria de lanches todos os dias como costumava fazer antigamente, ou que a casa estaria uma zona, mas para a minha surpresa, quando abro a geladeira, encontro comida feita; arroz, feijão e até a carne que ela deixou preparada dentro de uma vasilha. Da cozinha, dá para escutar quando a água do chuveiro começa a cair e quando para, Clara não demora muito para sair do quarto vestida numa calça jeans skinny e uma blusa com decote em V revelando a junção dos seus seios. Ela vem acompanhada pelo cheiro de água fresca, sabonete e seu perfume favorito do Boticário: Floratta.
Cambaleio para trás quando Bimbo corre em minha direção, ficando em pé com as duas patas traseiras, com as dianteiras ele me pede carinho. Senti tanta saudade do rottweiler que quando o abraço e faço carinho em seu pescoço tenho a impressão de que ele cresceu nessa semana que ficamos sem nos ver, além de parecer bem mais pesado.
— Quem é o garotão que está se comportando direitinho, hein? — faço carinho em sua cabeça, o rottweiler fecha os olhos e deixa a língua de fora. — É você, Bimbo? É você? Sabia que eu senti saudades? É, a tia Bianca sentiu saudades.
Bimbo lambe o meu rosto. É a primeira vez em dias que dou risada.
— Parece que sentiu mais falta dele do que de mim.
Desvio o olhar para Clara.
— Com ciúmes do cachorro? — pergunto a ela. Ela nega com a cabeça. — E de Ricardo?
Clara hesita, mas responde um segundo depois:
— Também não.
Levanto do chão e sento-me à mesa, numa cadeira ao seu lado. Clara passa as mãos nos cabelos, as mechas loiras bem cuidadas e sedosas caem pelos seus ombros, despertando ainda mais o cheiro do shampoo que impregna o cômodo onde estamos.
— Então está chateada comigo por qual motivo? E não faça essa cara para mim, Clarissa — digo quando ela revira os olhos feito uma adolescente de quinze anos. Clara se ajeita na cadeira com a minha reclamação e olha para mim impassível, me obedeceu, mas ainda está com raiva. — Sei que está chateada e que tudo começou depois que eu falei que tinha me divertido com Ricardo da mesma forma que você se divertiu com o Caio.
— Sim, você transou. Pode falar.
Clara solta a palavra com tanta naturalidade que coro de vergonha na hora.
— Nós duas transamos — argumento.
— É, você estava bem agarradinha com seu marido naquele jantar idiota de vocês — resmunga, pegando um pão para fatiá-lo com a faca, por puro instinto recuo para trás na cadeira. — Que bom que aproveitaram.
Pisco confusa. O que ela esperava que acontecesse? Eu e Ricardo somos marido e mulher, um casal que está junto há mais de dezoito anos e com uma filha na faculdade. Clara sabia disso quando se envolveu com o meu marido, então, se eu sou capaz de aceitar o caso que ela tem com ele e ainda compartilhar o homem que amo com ela, por que ela não consegue fazer o mesmo comigo?
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EXtraconjugal (Romance lésbico)
RomanceBianca sabia que Clarissa Ferrari reunia todos os atributos que um homem desejava em uma mulher, ela só não poderia imaginar que o laço que uniria as duas não seria apenas o fato de dividirem o mesmo homem.