Me engane uma vez e a culpa é sua, me engane duas vezes...

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Clara conseguiu dormir depois de ter conversado comigo sobre o pesadelo que tivera, mas eu não. Fiquei na cama remoendo aquilo como se existisse a mínima possibilidade de acontecer ou a máxima possibilidade de acontecer, já que, se Ricardo era capaz de me bater, por que não seria capaz de me matar? Ele quase fez isso da última vez. Quase ultrapassou os seus limites enquanto me estrangulava com as mãos presas em meu pescoço, encarando os meus olhos e vendo o meu desespero e a minha luta por oxigênio através deles. Meu marido não me bateu só por ciúmes, ele me bateu e quase me matou porque estava bêbado e fora de controle por sua amante ter dado um fim no caso que eles tinham. Clara se sente mal cada vez que lembra do ocorrido, ela se culpa por aquele domingo onde chamou o meu marido para conversar, por ter terminado com ele e ter me colocado em perigo, mas a culpa não era dela. Se Ricardo não tivesse me batido por isso, teria me batido por causa de Heitor, disso eu tinha certeza.

Amo o meu marido com todas as forças que há em mim, o amo como nunca amei ninguém em toda a minha vida. Pensar em viver sem Ricardo é angustiante demais, me despedaça e desmonta por completo, não me sobra uma visão do futuro, apenas o presente triste e vazio do qual eu faria parte. Porém, tudo mudou naquele domingo. Quando as suas mãos estavam em volta do meu pescoço e eu achei que fosse morrer, cogitei o divórcio tanto quanto cogitei que, se saísse viva dali, no dia seguinte eu pegaria as minhas roupas e iria embora. Não voltaria para Salvador porque odiaria ter que ouvir sermões dos meus pais ou ter que ouvir a minha mãe dizer que, se ela aguentou tanto tempo, por que eu não poderia aguentar também? Por que eu não poderia esperar até o dia em que Ricardo realmente mudasse? Hoje em dia, meu pai não bate mais em minha mãe, mas é só porque está velho demais e não tem mais coordenação motora para fazer isso sem sofrer com dores musculares depois. Talvez eu pudesse ir passar uns dias na casa de Eduarda, ou ligar para meu irmão Pedro e pedir ajuda para alugar uma casa até eu conseguir arrumar um emprego, qualquer coisa.

Mas enquanto pensava sobre tudo isso, o que, na minha cabeça, parecia tão mais fácil imaginar do que agir, Alicia me veio em mente. Ela sabe que o pai me bate, teme por isso, sempre me pergunta como vão as coisas em casa quando o que quer mesmo me perguntar é: "mãe, ele bateu em você?". Ricardo ainda é o pai dela, ainda é a figura onde ela se espelha para ter o mesmo futuro promissor sendo médica. Ela pode odiá-lo como pai e como marido da sua mãe, mas certamente o admira e o respeita como o grande médico que ele é.

No sábado de manhã, meu marido me ligou do hospital e disse que já tinha voltado de viagem. Foi bom ouvir a sua voz por um minuto e ter a certeza de que ele estava bem, o que não foi bom, foi o que senti quando ele desligou. Desprezo. Ricardo não estava nem aí para mim, sinceramente, não sei porque ele ainda se esforçou em me avisar que já tinha chegado de viagem quando sequer pensou em me dizer quando viajou. O término com Clara está afetando diretamente no seu humor e em nosso casamento, tento afastar para longe o que o meu eu interior tenta me alertar a todo momento, porque não há como negar; Ricardo é apaixonado por Clarissa Ferrari.

Ouço várias batidas na porta de casa, grito que já estou indo atender, mas as batidas se tornam mais intensas e rápidas. Me apresso a passos longos e precisos, sentindo a raiva me subir à cabeça e pronta para ir reclamar com a Dona Lurdes sobre os filhos dela que adoram me importunar nos momentos errados, não só a mim, acho que a todos da rua. São três meninos, uns pestinhas que não param quietos, tenho dó de quem tem campainha porque eles tocam e saem correndo para não serem pegos em flagrante como se ninguém soubesse quem foi. Ou quando jogam bola na rua e ela bate com força no portão das casas, ou caem no quintal dos vizinhos.

— Filha?! — abro às pressas o portão para abraçá-la. Alicia se encolhe em meus braços e minhas lágrimas caem por poder tocá-la e sentir o seu cheirinho. — O que está fazendo aqui? Com quem você veio?

EXtraconjugal (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora