Plano A e B.

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Eu não queria dormir quando cheguei na casa de Clara, preferi ficar ali coberta por um lençol grosso e quente em volta do meu corpo enquanto olhava a minha filha dormido tranquilamente. A minha vida desmoronou, virou de cabeça para baixo em quinze segundos, foi o tempo que levei para abrir o portão de casa e atravessar a porta para dar de cara com Ricardo estrangulando Alicia, nossa filha. Ponderei os últimos acontecimentos; nossas brigas, discussões, suas agressões físicas e verbais, e nada, absolutamente nada do que Ricardo tinha me feito doeu tanto quanto o que ele fez com Alicia. Suportei tanta coisa calada com medo de que ele me deixasse, com medo de que fosse embora, porque a possibilidade de viver sem Ricardo me dilacerava o peito, me faltava ar, me tirava o chão sob meus pés. Eu suportei tanto pelo nosso casamento, pela nossa filha que se espelhava no pai para tentar ser uma médica tão incrível como ele, e agora eu só consigo pensar em uma única coisa.

Divórcio.

As suas agressões em mim foram suportáveis, mas na minha filha, foram insuportáveis de serem vistas. Os hematomas em minha pele queimavam, na pele dela, são feridas abertas que cortam a minha alma. Não deixo de me culpar pelo que aconteceu, se eu ao menos tivesse chegado em casa antes ou não tivesse deixado ela ir se encontrar com Kaique, ou se eu já tivesse pedido o divórcio para Ricardo anos atrás, nada disso teria acontecido.

Clara entrou no quarto segurando uma xícara de café, ela me entrega, puxando o banquinho no canto do quarto para colocá-lo na minha frente. Ela coloca a mão em minha perna para me consolar, meu corpo enrijece com seu toque. Não que eu não goste, porque eu gosto, gosto da sensação da sua pele na minha, da quentura do seu corpo no meu, o que não gosto é de não lembrar da última vez que um simples toque me causou uma sensação tão boa como a que sinto agora.

— Quero te fazer uma pergunta — encaro os seus olhos, estão vermelhos, como se ela tivesse chorado antes de entrar no quarto. — Você só se aproximou de mim para continuar investigando o meu marido?

Clara me encara com intensidade. Odeio o silêncio. A brecha que ela deixa para que meus pensamentos embaralharem cogitando o pior.

— Não — não sinto firmeza em sua resposta. — Me aproximei de você por outro motivo, Bianca.

— Qual?

— Eu gosto de você — responde, e aguardo o que vem em seguida. Nada vem. Clara se ajeita no banco, encara a xícara de café em minhas mãos, me ver encostar a borda da xícara em meus lábios para tomar um gole e continua: — Eu gosto mesmo de você. Tipo, sério.

Assinto.

— Eu também gosto de você, Clara.

Ela sacode a cabeça.

— Deixa pra lá — uma linha fina se forma em seus lábios, não um sorriso, nem nada parecido com um, é algo triste. Decepcionante eu diria.

Ela olha para Alicia deitada na cama, faz um breve carinho em seus cabelos e tirando uma mecha do cabelo da minha filha do rosto, suspira. É tão estranho ver Clara no uniforme de policial, parece outra mulher, mais forte, mais destemida, capaz de cuidar de si mesma e até de mim. A forma como age e fala são diferentes, ou talvez eu a veja diferente, afinal, com a profissão que tem ela precisa ter pulso forte para lidar com as suas obrigações. Só tem um problema e ele acontece quando ficamos a sós; mesmo no uniforme eu vejo a menina de vinte e cinco anos que não sabe cozinhar, passar, limpar uma casa e nem ter algum senso de organização.

— Você deve estar exausta — observo quando ela tira o colete a prova de balas do corpo. Uma mecha de seu cabelo loiro cai no rosto, percebo a diferença neles agora, acho que deu luzes. — Deveria tomar um banho.

Ela balança a cabeça.

— Estou faminta — diz ela, levantando do banco para ir até o guarda-roupa pegar sua roupa de dormir.

EXtraconjugal (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora