Chuva de novembro.

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Um mês depois

Foram os piores dias da minha vida, perdi o controle do meu humor, da fome, da vontade de fazer as coisas, e também da minha vida. Devo ter perdido de cinco à seis quilos desde que assinei o divórcio, evitava a balança como evitava fazer todas as refeições do dia. Ricardo foi o meu marido por mais de dezoito anos, não importava que ele fosse o pior dos homens, ainda tinha sido o meu marido, o homem com quem eu dividi uma vida, uma cama, uma casa e vários momentos juntos. Não se apaga dezoito anos da sua vida só porque assinou um papel idiota, não se apaga tudo de bom que viveu ao lado de alguém só porque essa pessoa te feriu. Os últimos anos do meu casamento tinham sido os piores anos da minha vida, eu deixei de ser eu para me moldar no que Ricardo queria que eu fosse, me transformei na mulher que ele tanto queria e fui deixada por não conseguir suprir as suas expectativas.

Ricardo tinha dado entrada nos papéis do divórcio antes de mim, mas eu tinha um motivo para fazer isso, ele não. Ele não tinha um motivo que justificasse o porquê de jogar tantos anos de casamento no lixo, exceto o fato de ter se apaixonado por Clarissa Ferrari, uma policial de vinte e cinco anos que se aproximou dele apenas para tentar reunir provas de que ele tinha sido o culpado pela morte do seu pai, mas que acabou se apaixonando e não teve coragem para concluir o que tinha começado. Em um dos pesadelos que tive semanas atrás, Clara me confessou que quando decidiu se aproximar de mim não foi para dar continuidade as suas investigações em relação a Ricardo, mas por mim, ela desconfiava que Ricardo fosse violento comigo e precisava se assegurar de que eu estava bem.

Tenho falado com Alicia quase todos os dias, ela está animada com a faculdade, apesar de estar preocupada com o tanto de assunto para estudar, disse que anda sem tempo até para dormir. Descobri ontem que ela e Clara se falam todos os dias por mensagens, trocam fotos e que as risadas escandalosas que Clara dava trancada no quarto não eram resultados de conversas com Caio, mas com Alicia. Isso foi a melhor coisa que descobri depois de tanto tempo. Ricardo ainda estava foragido, Clara tem certeza de que ele já sabe que ela é policial, pois acredita que meu ex-marido tenha colocado alguém para vigiá-la.

— É hoje que você vai pro barzinho com a Duda? — ela pergunta, se jogando na cama ao meu lado, afundo um pouco no colchão e fecho o livro, colocando-o na mesinha ao lado. — Tipo, que horas você volta pra casa mesmo? É a terceira vez no mês que vocês vão beber.

Eu rio.

— E é a terceira vez que você me pergunta isso — respondo, encarando o perfil do seu rosto. Seus traços são tão delicados e fora do comum que ela parece ter sido esculpida, é difícil imaginar que alguém tão perfeita assim tenha saído de um mísero útero humano. — Não vou demorar, é só uns drinks... você tem certeza de que não quer vir com a gente?

Clara vira o rosto e ruborizo quando seus olhos penetram os meus, há tantas coisas dentro deles que eu daria tudo o que tenho para poder decifrá-las. Toda vez que ela me encara do jeito que está me encarando agora, o meu coração acelera e o meu rosto vira brasa, e geralmente eu evito continuar mantendo contato visual, mas não hoje, não agora. Ficamos em silêncio olhando uma para a outra, o silêncio dentro do quarto não aguentaria o barulho dos batimentos dos nossos corações.

— É a sua noite com a sua melhor amiga — fala de repente, os olhos descendo para a minha boca. Umedeço os lábios porque não posso beijar os seus. — Não quero estragar isso. Aliás, eu quero te mostrar uma coisa.

Clara rola na cama, fica de bruços, apoiada nos cotovelos. Ela pega o celular dentro do sutiã — ela tem a mania de colocar as coisas entre os seios, nunca usa o bolso das roupas — e abre o aplicativo de música no aparelho. Viro-me para observar o que ela faz, algumas mensagens aparecem no display, mas ela arrasta para o lado sem importância. Clara vai no search e digita "Chuva de novembro" do Projota.

EXtraconjugal (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora