Eu odeio Clara. Odeio porque já tem uma semana desde a peguei transando com aquele homem em casa e ela não para de me enviar mensagens perguntando se podemos conversar. A odeio por ela ter respondido a pergunta que eu não queria uma resposta e a odeio ainda mais, porque não consigo odiá-la. E eu odeio não conseguir odiar ela. Odeio estar trancada dentro do quarto chorando feito uma adolescente de quinze anos me entupindo de sorvete e chocolate enquanto o meu celular vibra com suas mensagens. Vim morar com Eduarda desde aquela noite, sou grata por ter um teto, mas odeio que a cama onde durmo toda noite não seja a cama de Clara.
Odeio o que estou sentindo. E odeio admitir o que estou sentindo.
— Agora sim — digo, depois de alterar o seu contato de "Clara" para "Clarissa" na agenda do meu celular. — Bem melhor.
É estúpido, muito estúpido, que uma coisa tão boba como alterar o seu nome nos meus contatos faça tanta diferença, mas me sinto um pouco melhor quando faço isso.
A porta do meu quarto entreabre e Eduarda coloca a cabeça pela fresta à minha procura, incrível como anos de amizade podem permitir o maravilhoso dom de se comunicar através de olhares. O seu olhar me diz que Clara está aqui e que quer falar comigo, essa deve ser a quinta vez que ela se dá ao trabalho de vir até a casa de Eduarda para tentar conversar comigo. A ignorei das outras vezes, na última vez nem precisei ignorar porque estava no colégio, mas ela deixou um recado com a minha melhor amiga pedindo para que eu respondesse as suas mensagens ou atendesse as suas ligações. Não fiz nenhuma das duas coisas.
Levanto da cama e vou até o espelho, meu reflexo não está tão ruim como achei que estivesse. Dou uma penteada no cabelo e o prendo em um coque, nunca fui adepta ao cabelo grande por achar que aparento ser mais velha do que realmente sou. Vou ter que tirar um tempo depois para ir no salão porque o meu cabelo já passou do tamanho limite dele: dos ombros.
Na sala, Clara está usando um top preto e calça moletom, Bimbo está com ela, preso na coleira, devem ter acabado de chegar da corrida matinal que Clara gosta de fazer pelas manhãs assim que acorda. Quando o rottweiler me vê, Clara solta a coleira para que ele corra até mim. Agacho-me no chão para fazer carinho nele, Bimbo lambe o meu rosto e Clara abre um sorriso afetuoso, mas não sorri de verdade, quero chorar por isso, porque sei que está sofrendo com a minha ausência tanto quanto eu estou sofrendo com a sua. Mas ainda estou brava, estou chateada com ela por ter me dito o que disse e depois ter transado com outra pessoa.
— Vim te buscar — ela me avisa, o seu tom de voz sério e honesto me dá um calafrio na espinha. — Pegue as suas coisas, vou te esperar no carro.
— Eu não vou com você — digo, fazendo-a parar no meio do caminho.
— Não gosto de você na casa de Eduarda, está longe das minhas vistas e de mim. Não posso te proteger estando aqui.
— Não sei porque está com medo, nada mudou, do mesmo jeito que seus amigos ficavam fazendo ronda na rua onde você mora enquanto eu estava lá, Alfredo ficou encarregado de fazer isso por aqui também.
Clara lança um olhar para Eduarda, não sei decifrar o que acontece em seguida, porque minha amiga se perde dentro do quarto. Clara caminha em minha direção, segura o meu rosto com as duas mãos e não fala nada, fica em silêncio me suplicando para que eu a entenda e não faça birra. Seu olhar é uma súplica, ela está disposta a qualquer coisa, inclusive, a ficar de joelhos se isso for me fazer obedecê-la. Ela pressiona seus lábios contra a minha testa, são quentes e macios, o beijo demora alguns segundos até que ela me solte e caminhe em direção a porta de casa.
— Estou te esperando no carro.
O medo assume o lugar do sangue que corre em minhas veias, não sinto outra coisa senão medo e o meu coração sente isso também, porque se encolhe e dói como se eu fosse perder alguém importante para mim ou como se as próximas horas fossem as minhas últimas horas de vida. Talvez seja o medo, mas a única coisa que consigo pensar é que Ricardo apareceu e conversou com Clara, ela não estaria desse jeito se fosse por outra coisa.
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EXtraconjugal (Romance lésbico)
RomansaBianca sabia que Clarissa Ferrari reunia todos os atributos que um homem desejava em uma mulher, ela só não poderia imaginar que o laço que uniria as duas não seria apenas o fato de dividirem o mesmo homem.