Comecei o dia já indo buscar trabalho pelo comércio do Reino de Arcádia. Entrando em vários estabelecimentos perguntando se estavam precisando de alguém para algum trabalho. E sendo recebida várias vezes com um não, sem nem mesmo ser olhada duas vezes. Frustrada, me sinto um pouco tentando recuperar o fôlego para continuar a busca por um trabalho. Observando as ruas, vejo uma mulher carregando com dificuldade, vários livros com as duas mãos e perdendo o equilíbrio e deixando cair vários no chão empoeirado.
— A senhora precisa de ajuda? — Pergunto já pegando os livros e empilhando a quantidade que conseguia segurar.
— Obrigada, minha jovem. É difícil carregar tantos livros de uma vez. — Ela era uma mulher pequena, que poderia ser facilmente minha tia. Com cabelo loiro pálido e olhos castanhos como chocolate.
— Se quiser posso levar eles para sua loja. Assim você carregaria apenas metade e não teria tanta dificuldade até chegar lá.
— Qual seu nome? — Ela perguntou.
— Marie.
— Então, obrigada Marie. Sou Narcisa.
Assim, fui conduzida por todo caminho, chegando a uma lojinha muito simples e bonita. Cheia de estantes com livros de gênero variado. Coloquei os livros no balcão e observei uma das estantes mais perto.
— Vejo que gosta de livros. — Disse ela já colocando os novos livros na estante.
— Ora, quem não gosta? — Puxei um dos livros com o título "As criaturas mágicas". — Não gostar de livros é como não gostar de viver.
Ela virou a cabeça na minha direção pensativa.
— Precisa de trabalho? Se quiser um, tenho uma vaga disponível.
— Por Dioj, sim! Estava procurando trabalho por todo o Reino.
— Você se encarregará de cuidar de todos os livros. Limpá-los e vendê-los para os clientes que aparecerem em busca de algum livro. Jamais aceite fiado — Ela me olha séria. — Se quiser levar um livro para casa me peça antes — Olhou para o livro que estava na minha mão. — Deixarei que leve esse hoje, por ter me ajudado.
— Obrigada! — Olhei surpresa para ela, depois para o livro.
— Fico feliz que se interesse por livros iguais esse. Geralmente as pessoas têm medo do desconhecido.
Isso me lembra do meu tempo no mundo das fadas. E como a Rainha disse que minha mãe teve que passar a vida toda fingindo ser humana, para não ser caçada e morta.
— Essas pessoas são insensatas. — Olho para o livro.
Escuto um grande barulho no interior da loja, aproveito que Narcisa está ocupada com alguns livros e vou espiar através da porta que fica atrás do balcão de madeira. Descobrindo uma sala simples e bonita, um sofá de madeira e forro verde escuro. Uma escada caracol que levava ao andar de cima. Então finalmente repara no que ela queria dizer anteriormente. Deitado no meio da escada está um gato branco com asas de pássaro.
Ela puxa minha mão para trás em advertencia.
— Não deveria bisbilhotar as coisas assim— disse um pouco brava.
— Tá tudo bem, mãe. Ela também é uma — diz uma voz monótona e tranquila.
Narcisa parece relaxar e me empurra para dentro da sala.
Antes de ela terminar de falar o gato, bom o que antes era um gato, virou um homem de cabelos brancos como a neve. Olhos prateados e asas gigantes que estavam retraídas em suas costas.
— Ele é um anjo? — Fico chocada.
— Não. Sou uma fada do ar — fica na minha frente. — Que intrigante você também é.
— Estranhamente é a segunda pessoa a me falar isso. Ainda não consigo sentir nenhum semelhante...— Olho intrigada para o homem tão bonito como uma estátua de mármore na minha frente — Como consegue viver no mundo humano? — Pergunto curiosa. — Achei que as fadas não conseguiam viver afastadas por muito tempo do mundo delas.
— Consigo viver pelo mesmo motivo que você. Sou metade humano. Essa é minha mãe — Ele apontou para Narcisa. — Meu pai é uma fada elementar.
— Conheci o pai de Oz era mais nova e amava ficar vagando pela floresta. Após descobrir que estava grávida sumir de vista de todas as pessoas. Tive Oz, tão pequeno e com asas de pássaro das suas costas. Soube que teria que mantê-lo em segredo. Para que as pessoas desse mundo não o machucassem por sua ignorância.
— Ele nunca sai? — Olhou preocupada para ele.
— Eu trabalho na loja. Geralmente uso uma camisa larga, fazendo com que minhas asas virem uma corcunda.
— Isso tudo é tão errado. Viver escondidos. Sinto tanto pelo nosso povo. Espero que um dia consiga mudar a mentalidade dessas pessoas, mostrando que não somos tão diferentes deles.
No fim do expediente. Fecho a loja e Oz me olhando por trás de um livro que estava lendo. Quando percebe que eu estou olhando de volta desvia o olhar e volta a ler. Olho pela janela e vejo a rua quase que totalmente deserta. Pego minha bolsa de folhas.
— Até mais Oz.
— Até.
Andando pela rua parei meu olhar no rosto de várias pessoas perguntando se alguma delas também seriam meias fadas que teriam que viver disfarçadas neste mundo. Tive a sorte de nascer "comum" aos olhos humanos, não me destacando como quem realmente sou. Será que meu pai ainda me amaria se descobrisse que eu era metade fada? Pior, será que ele ainda continuaria amando minha mãe depois de ter mentido a vida toda para ele?
Chego à frente da hospedaria.
— Boa noite Sr. Cardoso. Uma bela noite, não? — O cumprimentei.
— Oh, Marie. Hoje é uma noite magnífica, certamente.
Vou para o meu quarto e pego minha bolsa de folha dada pela rainha das fadas. Abrindo ela retirou um anel de prata com uma pedrinha de topázio sendo segurada por dois pássaros. Seguro o anel contra meu peito. Pego o livro que Narcisa me emprestou na loja e começo a lê-lo:
"Como seres da natureza, fadas são constantemente vistas por várias partes do mundo, sendo descritas de forma vaga e variada em cada lugar. Considerados como anjos caídos. Demônios na própria terra. Tem uma aparência fatal, atraindo humanos, os enganando e consequentemente os levando a morte".
É assim que eles acham que somos?
"Fadas são divididas hierarquicamente entre classes. No todo de sua hierarquia estão os Devas. Posteriormente as fadas Elementais; Do Ar, Terra, Fogo e Água. Por último estão os espíritos da natureza. As fadas do Ar podem controlar a luz do sol, o ar, nuvens e tempestades. Consideradas fadas protetoras dos animais. Tem preferência por estarem em pontos elevados, como montanhas".
Então deve ser por isso que o Oz consegue virar um gato. Será que ele consegue controlar alguma dessas coisas, também? Ou é tudo achismo humano? Amanhã irei perguntar o que é verdade para ele.
Coloco o livro na mesa de cabeceira fechando os olhos.
Nos meus sonhos me encontrava no mundo das fadas. Andando pela rua cheia de criaturas mágicas magníficas. Chegando até o ponto em que tinha um deslumbrante chafariz de marfim, dentro do chafariz se encontrava uma estátua de uma mulher com orelhas pontudas com as mãos levantadas como se estivesse manipulando a água.
Sentada na beira do chafariz estava minha mãe conversando com um elfo. Não conseguia ver seu rosto, apenas suas costas conversando alegremente com a minha mãe. O elfo tinha cabelos pretos e falava gesticulando.
O vento começou a aumentar. Olhei para o céu e vi várias fadas voando e manipulando o elemento do Ar, uma ninfa da água fazia gotas de água flutuarem até uma fada que iluminava as gotas produzindo luz alaranjada em sua direção. Era lindo como ouro líquido. Quando olhei novamente para o Chafariz não havia mais ninguém.
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Reinados
FantasyAo que se pede, recebe. Ao que mente, na mentira viverá. Ao que é hipócrita, em uma vida hipócrita viverá. Ao que domina, dominado por seus atos será .