“É possível descobrir mais sobre uma pessoa numa hora de brincadeira do que num ano de conversa.”
- Platão
16. Nas Sombras
C H R I S T O P H E
Ela aceitou meu desafio.
Na realidade, Amalie Auclair não era o tipo de mulher que negava um.
Em suas irises, os delicados tons de verde sobressaíam no castanho — como mudas de ervas brotando na terra.
Sua aparência encontrava-se em um verdadeiro fiasco: a mulher aparentava ter sido pisoteada por toda a cavalaria do palácio.
Olheiras sombreavam seus olhos, que — ainda cheios de exaustão, roxos e inchados — eram vivos. Os mais vivos que os meus já presenciaram. Repletos de fogo e uma paixão pela existência que eu jamais vira em quaisquer outras pessoas.
Aquilo me intrigava.
A vida de uma camponesa não podia ser o que se chamaria de agradável. Os calos nas mãos de Amalie provavam tal coisa.
Mas ela possuía um fervor no olhar que só podia ser digno de alguém que amava viver.
— Olá, majestade. — A moça cumprimentou-me com uma mesura. — Não tínhamos notado que se aproximava.
— Percebi. — Olhei para o atrapalhado Dagobert.
Eu estava na cavalariça quando o puro-sangue inglês Aetherius desatou a correr.
Era bom nisso, em caminhar sem emitir som; em estar em um lugar sem ser visto.
Talvez tanto tempo vivendo nas sombras fizera-me tornar parte delas.
— Vossa majestade. — Os cabelos de Dagobert quase me acertaram quando ele se curvou. — Eu estava informando milady sobre suas ordens em relação à Aetherius.
Arqueei ambas as sobrancelhas.
— E a milady estava as questionando.
Amalie me trucidou com os olhos.
Adorava aquilo, constatei, adorava quando sua expressão denunciava suas vontades.
Ela me queria morto. Porém, não podia fazê-lo. Havia algo de divertido nisso, na fúria com que ela me encarava. O riso estava muito bem contido dentro de mim.
— Não questionei, majestade. Apenas fiquei surpresa com o presente.
Cruzei os braços sobre o peito.
— Achou que algo assim não poderia vir de seu rei?
Ela ajeitou uma mecha escapada da trança para trás da orelha. Sim, achou. Mas não, não disse.
— Não vivo aqui tempo suficiente para prever as ações de meu rei.
A alfinetada espetou em meu ego.
Dagobert alternava os olhos saltados entre nós dois, assustado — tanto com a audácia de Amalie quanto por conhecer a imprevisibilidade de minhas reações.
Segurar o riso estava tornando-se difícil para mim.
A mulher tinha uma língua mais afiada que a própria espada. Tão pequena — eu era uma montanha perto dela —, mas tão ousada.
— Eu... — o menino gaguejou, tentando escapar do fogo cruzado em que se encontrava —, vou indo. Divirta-se com Aetherius, milady. — Curvou-se a mim. — Majestade.
Ele correu tão rápido que pareceu evaporar no ar.
Analisei os ferimentos de Amalie.
— Está com dor?
Ela teria engasgado com a surpresa que suas feições demonstraram.
Claramente, esconder sentimentos não era seu forte. Mas, diga-se de passagem, era o meu.
— Não... — Tocou com cuidado o próprio rosto. — Não muito. Victorine e Danielle estão cuidando bem de mim.
— Foi um duelo complicado.
Ela notou que eu me referia a Neville.
Dagobert devia ter aberto aquela boca de poço.
— Mais estressante do que complicado. — seus olhos desviaram-se para a mão, que começou a acariciar Aetherius.
Afaguei a anca do cavalo, fazendo um gesto com o rosto na direção dele.
— Mas valeu a pena?
Ela sorriu para o novo companheiro, com dificuldade pelos cortes que feriam os lábios rosados. Porém, ainda era um sorriso: doce e verdadeiro. Como aquele que outrora presenciei no jardim.
— Tudo vale a pena, majestade. — Seus olhos encontraram os meus.
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Vossa Majestade, o Rei ✠ Livro I
RomanceAqui não temos um CEO vestido com ternos de risca. No lugar disso, o rei Christophe esbanja seu charme e sensualidade com uma bela coroa de pedras preciosas. A mocinha indefesa não é tão indefesa assim - e nem tão mocinha. Afinal, Amalie maneja uma...