Prólogo

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   O azul do mar à minha frente é feio, estranho, errático, como toda vez que vim aqui, debaixo da ilha proibida me aquecer no laranja vivo do vulcão que sempre vaza. Geada, minha companheira de bando, gostava de tentar congelar a larva, sem nunca conseguir… Sempre achei que ela gostava mais de ficar aqui admirando a larva escorrer, quente que só.

   Há algo de relaxante nisso, ver pedras derretidas tão quentes, mais tão quentes, que derretem e incandescem, brilham como o ferro em forja. Talvez elas me ajudem a pensar, como sair do maldito problema que eu mesma me meti quando fiz o que Heli não queria e adicionei escamas a sua pele.

   —Você tá fazendo o que aqui? — A voz de uma sereia me tira do devaneio — Veio me vigiar?

   —Me expulsaram de casa — Engulo em seco, mesmo dentro da água, sem vê-la direito pelo brilho da larva. Pela voz, sei quem é — Se quiser eu vou…

   A dor dela pulsa em minha mão, mas quando olho pra minha própria, não há nada.

   —Posso te ajudar? — Sugiro — Posso, diminuir a dor.

   —E por que é que você faria isso?

   —Não quero sair daqui e sua dor… Irrita minha pele.

   Ela não sorriu, na verdade, estava seríssima, erguendo a mão cuidadosa próxima a larva, mostrando-se pra mim. Seria mais fácil cortar a mão, o tecido congelado do que descongelá-la devagar para não perder os dedos. Talvez seja o medo do tempo. Descongelar deve demorar algumas horas, recuperar membros perdidos dias.

   Me concentro na sua dor, forçando ela a sumir no braço da sereia. Cansa e nem consigo…

   —Não é mais fácil fazer o contrário? — Ela sugere.

   —O que?

   Ela revira os olhos.

   —Você é devagar né? Basta passar o que você sente na sua mão pra mim.

   Nossa. Nunca tinha pensado nisso e é tão fácil, dominei isso em um mês. Pouca energia como requer, gasto apenas o mínimo. Posso ficar aqui horas e horas.

   —Me conte uma história. — Ela diz.

   Olho surpresa, sem entender.

   —A sua história. — Ela explica

   —Quer ouvir sobre meus cem anos de vida?

   —É… Não tenho tanto tempo — Ela ri — Me conte sobre a melhor experiência que já teve. Espero que seja longo já que isso vai demorar.

   A melhor experiência da minha vida… Era fácil. Ela começou no instante que salvei uma humana de tamanho pequeno do afogamento, mas a discussão que tivemos e tudo o que nos levou até às Ômegas, isso não foi nada bom pra mim.

   —Posso te contar sobre como foi minha vida fora do mar.

   —Perfeito — Ela concorda — Tem partes picantes?

   Rio, balançando a cabeça, envergonhada na verdade. Só não entendo.

   —Por que é que você quer ouvir isso?

   Ela, distraída que só, olha pra lava que escorre, que borbulha em contato com o frio da água e cai escura no leito do mar.

    —Acho que nós duas precisamos nos distrair um pouco, lembrar das coisas boas. Mas se você não quiser, tudo bem, só não saia do meu lado… Já senti dor demais.

   Acho que se eu pensar bem, vou achar motivos pra não contar a ela. Agora, só consigo pensar em tudo o que está preso em meu peito, as promessas que fiz e não cumpri e o gosto do sorvete de morango que comi no meu último dia.

   Admirando a larva, começo.

   —Ir viver com os humanos foi tão fácil como respirar com os pulmões pela primeira vez, sabe? Doloroso, você tem que lembrar de usar o nariz, estranho e confuso. Ficar imersa no ar o tempo todo, eu sentia falta da pressão, do azul e do cheiro do sal. E mesmo assim… Foi a melhor coisa da minha vida.

   Compreensiva, ela sorri sem mostrar os dentes.

   —E não que eu me orgulhe disso, mas a história começou com uma coisa que me deviam, uma obrigação na verdade. Acho que não tem como começar a contar sobre minha jornada sem citar isso. Tudo começou com Maressa.

O teste da Beta - FinalizadoOnde histórias criam vida. Descubra agora